sexta-feira, 25 de novembro de 2016

CHAVES E A REPÚBLICA



Na quarta e última parte da conferência “Chaves e a República” trato especialmente das relações com a Espanha, falando sobre o “perigo espanhol” e o iberismo na atualidade.
Junto um magnífico filme da Cinemateca Portuguesa sobre Vinhais e arredores, a propósito da 1ª incursão monárquica em 1911. Dedico-o a todos os amigos vinhaenses, pode ser que apareçam por ali alguns dos nossos avós (como o filme está protegido tem que se aceder através do link indicado).

Vendo toda a conferência, talvez possa dizer que aproveitei a oportunidade para abordar questões que teria sido muito difícil abordar em outras circunstâncias… Aqui as deixo!

 https://www.youtube.com/watch?v=3LOiYvFHA4w

 



Inúmeros intelectuais, pensadores, simples opinadores e pessoas comuns continuam a reflectir (porventura a inquietar-se) com a questão peninsular. A dinâmica, profundidade, preocupação e continuidade da discussão é a melhor forma de consolidar caminhos. Há uma interrogação fundamental nesta questão dos estados peninsulares, que é esta: a Península é dual? A nossa resposta deverá ser - Sim, a Península é dual, a Península comporta dois Estados.

Outra questão que nos assalta imediatamente: Existe o “perigo espanhol”?

Como devemos responder? Será que, na História portuguesa, faz sentido falar do “perigo espanhol”? Acho que faz todo o sentido. O “perigo espanhol” foi uma condição da dualidade peninsular. Estaríamos hoje a explicar questões completamente diferentes se nunca os portugueses tivessem acreditado nessa latente ameaça, ou se muitos espanhóis nunca tivessem dedicado qualquer pensamento à “inexplicável” dualidade peninsular. Que muitos estudiosos espanhóis, como felizmente existem, se preocupem em abordar um ponto sensível na história dos dois países, faz-nos pensar que o interesse comum, o entendimento mútuo, a relação a dois é, no presente, uma conquista definitiva. As vozes contrárias sobreviventes são um fenómeno comum às conquistas consolidadas.

Mas há ainda outra pergunta latente: A integração há-de fazer-se?


A esta pergunta, talvez possamos responder: Portugal e Espanha estão apenas “condenados” a serem vizinhos. O esforço de entendimento segue paralelo com a capacidade de nos conhecermos. Quanto mais os portugueses se interessarem pelo que se passa em Espanha, e quanto mais os espanhóis se interessarem por Portugal, mais vantagens poderemos tirar da nossa vizinhança. Numa época em que todo o mundo é cada vez mais vizinho, não fará sentido que à proximidade proporcionada pela mundialização, não juntemos as vantagens da proximidade física. Os novos medos que pairam em torno das nossas mútuas relações económicas devem poder constituir mais um episódio de afirmação de ambos, em vez de servirem de pretexto para o regresso de fantasmas que já não fazem sentido.

Então, podemos formular uma nova pergunta: E o Iberismo, sobrevive?


Sobrevive. Reduzido à dimensão a que desde há muito se confinou, não deixa de reaparecer com alguma facilidade. As nossas sociedades, maduras e democráticas, mantêm-no como uma marginalidade. Espanha e Portugal são duas realidades, cada uma com as suas fraquezas e com os seus argumentos. O ponto alto da sua afirmação igual foi a entrada simultânea na então Comunidade Económica Europeia em 1986.

Poderemos hoje dizer que a Europa encerrou a nossa questão? Não, não podemos. Nem podemos permitir que a Europa encerre questões de identidade. Portugal e Espanha partilham uma península dual. São duas realidades vizinhas, mas diferentes; são dois cooperantes, mas afirmam-se como dois pólos. Só nos reconhecemos na nossa diversidade. Sempre teremos questões para resolver.

O que resta então, para privilegiarmos e expandirmos as nossas relações de amizade, cooperação, mútuo reconhecimento e respeito? Temos de conhecer-nos melhor. Temos de olhar-nos nos olhos e aprender a realidade do outro. Temos de partilhar conhecimento, informação, experiências. Devemos quebrar barreiras psicológicas, reduzindo-as ao que é próprio de cada identidade. Temos um longo caminho a percorrer, mas a Europa a que ambos pertencemos permitiu-nos, nestes quase vinte e cinco anos dar passos gigantescos em frente. Saberemos agora dar passos, por nossa conta? Acho que saberemos.

Poderemos então perguntar-nos se vale a pena abordar estas questões que aqui nos reúnem, lembrando uns combates entre defensores da República e conspiradores monárquicos apoiados e incentivados por autoridades espanholas, ocorridos em 1912. Podemos dizer que é uma questão longínqua na história comum e incómoda para ambos os lados. Mas é por isso mesmo que vale a pena falar deste episódio. É uma oportunidade de alargar o nosso conhecimento mútuo. Não podemos, nem conseguiríamos, apagar o episódio da memória portuguesa. Esse facto, tão exagerado em Portugal, deve compreender-se como um incidente nas relações peninsulares, enquanto facto em si. A construção que dele fizemos, a dimensão que lhe atribuímos, faz parte de um processo interno. É um processo de identidade, necessariamente elaborado contra o outro. Só que a liberdade conquistada por ambos os povos, a consolidação da democracia em cada um deles, o caminho que percorremos agora conjuntamente, acompanhados por outros povos europeus, fazem de nós passageiros da mesma rota, caminhantes de outras utopias.

E não me queiram convencer que estão moribundas as utopias europeias! Porque eu acredito nelas.

Muito obrigado a todos. Muito obrigado ao Regimento de Infantaria 19. Muito obrigado à cidade de Chaves.




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