Como disse no apontamento introdutório,
o texto que se segue, em quatro partes, é uma conferência que fiz em Chaves no
dia 26 de Março de 2010, dia do Regimento de Infantaria 19, a convite do seu
comandante, coronel Barbosa.
Nesta primeira parte, abordo a questão
principal, que são as incursões monárquicas e o seu significado.
Foi ali, na Biblioteca Pública Municipal de Chaves, que fiz a conferência. |
Parte
1
Para
a I República e os republicanos, Chaves tornou-se um nome simbólico. Depois do
difícil parto da implantação da República, o novo regime viveu períodos
complicados, o primeiro dos quais ocorreu aqui, na fronteira Norte, com as
chamadas incursões monárquicas.
Como
sabemos, poucos monárquicos defenderam o seu regime, em 1910. Paiva Couceiro,
oficial do Exército, e alguns outros seus camaradas, a quem se juntaram alguns
civis, foram os únicos que verdadeiramente se opuseram ao movimento
republicano. Não tendo obtido êxito nas suas tentativas imediatas, apenas lhe
restou o exílio em
Espanha. Aí , com a complacência das respectivas autoridades,
criaram e ampliaram um movimento de resistência, com o objectivo de restaurar a
Monarquia em Portugal.
Recebidos
e auxiliados no país vizinho, os conspiradores monárquicos movimentaram-se com
bastante facilidade nas regiões fronteiriças espanholas. Passado um ano da
implantação da República, acharam-se com força para a primeira incursão em
território português, e entraram em Vinhais, onde hastearam a bandeira
monárquica no dia 5 de Outubro de 1911. Este acontecimento causou um primeiro
frémito republicano. O perigo monárquico, ampliado até extremos, tornou-se uma
das principais ameaças à República e ao regime recentemente implantado e as
incursões monárquicas através da fronteira espanhola do Norte, a mais credível
possibilidade de os monárquicos perturbarem o regime republicano.
Vencida,
com relativa facilidade, a tentativa monárquica de Vinhais, a verdade é que a
República redobrou de atenções, em relação às hostes couceiristas que de novo
se refugiaram em terras de Espanha.
Estas
forças monárquicas, organizadas em torno de Paiva Couceiro e acolhidas,
apoiadas, armadas e municiadas, de forma ostensiva, mas não oficial, por
algumas autoridades espanholas sob o chapéu do rei Afonso XIII, voltariam ao
ataque a território português, tentando entrar em Chaves, em Julho de 1912.
A
guarnição militar de Chaves era nesta altura constituída pelo Regimento de
Infantaria 19 (que aqui se mantém), comandado pelo tenente-coronel Augusto
César Ribeiro de Carvalho, pelo Regimento de Cavalaria 6, forças de Artilharia
4 e serviços administrativos de apoio.
A
sede da 6ª Divisão do Exército era em Vila Real , cujo comandante, coronel Francisco
Gorjão, avançou para Chaves em 3 de Julho, acompanhado pelo seu chefe de
estado-maior, tenente-coronel Alfredo May. Em face da ameaça, tinha-se
constituído um sector de defesa entre os rios Mente e Cávado, cujos comandante
e chefe de estado-maior, respectivamente tenente-coronel Custódio Alberto de
Oliveira e capitão Maia Magalhães, também estavam em Chaves.
As
medidas de contenção foram tomadas. Os couceiristas apareceram em território
português a 7 de Julho de 1912. Houve pequenas escaramuças e um combate em Vila Verde , vindo a
acção militar principal a ocorrer no dia seguinte, quando os conspiradores
monárquicos tentaram entrar em Chaves e foram impedidos pelos defensores da
vila (ficariam conhecidos como “Defensores de Chaves” todos os que participaram
nos combates e que enfrentaram o ataque). Morreram 15 pessoas, dois defensores
e 13 monárquicos e ficaram feridas mais 12 pessoas, sendo seis militares, cinco
conspiradores e um civil.
Os
combates não foram prolongados, não houve um número exagerado de vítimas, mas a
defesa de Chaves transformou-se numa enorme bandeira da República, habilmente
aproveitada para uma primeira reconciliação dos republicanos com o Exército.
Não
deixa de ser interessante a referência a algumas passagens do relatório do
coronel comandante da 6ª Divisão do Exército acerca dos acontecimentos.
Diz
assim: “Evitou-se que Chaves caísse em poder dos rebeldes, o que seria o começo
de uma guerra horrorosa, atiçada pela questão religiosa que continua latente, e
que seria de tristes consequências para a nossa Pátria. Foram batidos e
obrigados a repatriar-se, desaparecendo a ameaça, já tão prolongada, de
incursões, que exigia despesas extraordinárias, da parte da República, e
originava uma perturbação interna, que nos não deixava tratar a sério dos
problemas importantes da nossa administração”.
E
continuava: “A interferência do elemento civil, apresentando-se
entusiasticamente em defesa da República, desfez uma lenda de que as populações
do Norte acolheriam Paiva Couceiro como um restaurador ansiosamente esperado”.
E
ainda mais adiante, nas propostas de recompensas, adiantava o Coronel Gorjão:
“Chaves merece bem uma recompensa pela forma heróica como a sua população se
portou e pelos estragos que algumas das suas casas sofreram com o
bombardeamento dos rebeldes. Essa recompensa parece-me que deve ser primeiro
que tudo a sua ligação acelerada com o resto do país, por meio da prolongação
do caminho-de-ferro do Vidago (…). A conclusão das estradas de Chaves a
Vinhais, de Vidago a Boticas e de Chaves a Braga, que parece impossível estarem
por concluir há longos anos”.
Como
se vê, não se devem perder as ocasiões, mas não julgo que estas propostas
tenham tido um grande acolhimento por parte das autoridades… É que, a seguir a
Chaves, a República tinha outras grandes preocupações pela frente.
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