domingo, 11 de dezembro de 2016

GUERRA COLONIAL - ARQUIVOS DO SILÊNCIO?



Nesta 2ª Parte do texto sobre os arquivos militares procuro dar alguma informação sobre os seus fundos principais, assim como sobre a documentação relacionada com a Guerra Colonial que pode ser consultada. Espero que seja útil ainda hoje.


Entrada no Arquivo Histórico Militar,
Pátio dos Canhões do edifício do Estado Maior
 do Exército, junto a Santa Apolónia.
Parte 2


Feita esta longa introdução, gostaria de vos falar sobre os arquivos militares, tema da minha intervenção.

Existem em Portugal quatro Arquivos Históricos no âmbito da Defesa e Forças Armadas. Um do próprio Ministério e um para cada Ramo das Forças Armadas – Marinha, Exército e Força Aérea.

Marinha – Arquivo Histórico da Marinha - AHMarinha
Exército – Arquivo Histórico Militar - AHM
Força Aérea – Arquivo Histórico da Força Aérea - AHFA
Ministério – Arquivo da Defesa Nacional - ADN

Até ao Século XIX, na estrutura da Estado Português, os assuntos da Guerra e dos Negócios Estrangeiros estiveram juntos na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Esta circunstância reflectiu-se na separação da documentação entre as entidades (AHM, AHD e Arquivo Nacional), quando estas se separaram, depois da revolução liberal de 1820. Se tivermos em conta que o Arquivo Histórico Diplomático só foi criado na segunda metade do Século XIX, pode imaginar-se como são importantes os guias de fontes para hoje podermos saber onde estão os fundos documentais da Administração Portuguesa.

Sala de leitura do Arquivo Histórico da Marinha,
situado no edifício da Cordoaria, Rua da Junqueira.

Mas também os assuntos da Marinha e das Colónias estiveram juntos na Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Colónias. Os documentos foram depois distribuídos entre o Arquivo Histórico da Marinha e o Arquivo Colonial (hoje Arquivo Histórico Ultramarino), sem esquecer que muita da documentação da estrutura administrativa do Estado foi absorvida pelo Arquivo Nacional.

O Ministério da Defesa só foi criado em 1950, apenas como órgão de planeamento. Só em 1974 assumiu em pleno a sua função política. A Força Aérea foi criada em 1952 como Ramo autónomo, herdando as tradições da Aeronáutica Militar, mas não recebendo a sua documentação que ficou no Exército.

Em resumo, as datas de criação dos Arquivos deixam-nos perceber as dificuldades arquivísticas de uma visão de conjunto:

Arquivo da Marinha – 1843 (como arquivo administrativo);
Arquivo Militar – 1802 (apenas para os mapas, as cartas topográficas e as plantas de engenharia);
Arquivo Histórico da Força Aérea – 1952;
Arquivo da Defesa Nacional – 1996.

Ainda hoje, apesar do esforço feito na normalização da actividade dos arquivos, não existe um guia cruzado que oriente o investigador neste emaranhado de heranças.

A missão destes Arquivos é comum, visando essencialmente a recolha, preservação, tratamento e divulgação da documentação histórica de cada sector, de acordo com as normas em vigor.

A gestão dos Arquivos militares tem muita autonomia, não existindo qualquer órgão de coordenação comum. Todos se orientam pelas normas nacionais e internacionais em vigor, procurando seguir as orientações do Arquivo Nacional.

O Arquivo Histórico da Marinha está instalado no edifício da antiga Fábrica de Cordoaria, em Lisboa. Em conjunto com o respectivo arquivo intermédio, ocupam 2.000 m2 de superfície e possuem 7.000 metros de prateleira. Tem alguns documentos dos séculos XVII e XVIII, mas a sua documentação respeita essencialmente aos séculos XIX e XX.

Os seus fundos mais importantes são: Diários de bordo, planos e projectos de construção naval, cartografia naval e Guerra Colonial.

O Arquivo Histórico Militar está instalado no edifício do Estado-Maior do Exército, em Lisboa (Antigo Arsenal do Exército), e na antiga Fábrica de Pólvoras de Chelas. Ocupa uma área de 2.000 m2 e tem 8.000 metros de prateleira. Tem alguns documentos desde o Século XVI, mas a sua documentação é significativa desde meados do século XVIII até à actualidade. Existem planos para uma transferência de instalações.

O arquivo intermédio do Exército está instalado no Convento de Chelas em Lisboa, e possui 21.000 metros de documentação. Toda a população masculina portuguesa tem registos desde meados do Século XIX.

Fundos históricos mais importantes: Guerra Peninsular (1807-1814), Lutas Liberais (1820-1851), Grande Guerra (1914-1918), Guerra Colonial (1961-1975).

O Arquivo Histórico da Força Aérea está instalado no edifício do Estado-Maior da Força Aérea em Alfragide, próximo de Lisboa. Ocupa 300 m2 e tem 1500 metros de prateleira. Tem documentação do Século XX.

Aspeto do Arquivo Histórico da Força Aérea,
 situado no edifício do Estado Maior
da Força Aérea, em Alfragide.

Fundos mais importantes: Unidades da Força Aérea, Guerra Colonial, Colecção fotográfica, incluindo fotografias aéreas de Portugal.

O Arquivo da Defesa Nacional está instalado numa unidade militar (Centro Militar de Electrónica) em Paço d’Arcos, próximo de Lisboa. Ocupa uma área de 700 m2 e tem 4.000 metros de estante ocupada. A sua documentação é da segunda metade do Século XX.

Fundos mais importantes: NATO (1949-1975), Guerra Colonial (1961-1975) e Fundos do Ministério da Defesa (1950-1975).

Todos os Arquivos têm um regulamento devidamente aprovado, que fixa as normas de avaliação, selecção e eliminação de documentos. Estes regulamentos parciais devem ser aprovados pela Direcção Geral de Arquivos (órgão governamental).

Todos os Arquivos estão abertos à leitura, com acesso diário, em sala apropriada. As normas são bastante semelhantes. Na Força Aérea é necessário um contacto prévio.

Os Arquivos procedem à desclassificação de fundos e documentos, de acordo com as normas gerais da administração pública portuguesa, embora com pouca eficiência; todos têm formas de divulgação das suas actividades, pelo menos através da Internet; de uma forma geral procedem a algumas investigações simples a pedido dos leitores.

Todos os Arquivos têm falta de pessoal especializado. As massas documentais são muito grandes e só muito recentemente a avaliação está a ser feita na origem. As normas de abertura da documentação e de acesso são muito genéricas, havendo nesse campo dúvidas comuns. As classificações de segurança, muito comuns na documentação militar, dificultam a abertura dos fundos, não havendo ainda uma norma de desclassificação simples e efectiva, ao nível dos arquivos históricos.

Todos os Arquivos têm divulgação através da Internet, com página especial, como segue:


Nos últimos vinte anos, os Arquivos Militares Portugueses fizeram um grande esforço para cumprirem as suas missões e para se modernizarem. Mas têm ainda um longo caminho a percorrer.

Agora, uma palavra sobre a Guerra Colonial, na sua relação com estes Arquivos.

Como verificaram, a Guerra Colonial é em todos os arquivos militares, um dos fundos mais importantes. Mas até 1997, o acesso a estes fundos era muito limitado. Ainda hoje existem algumas limitações, não contempladas pela lei geral do acesso aos documentos da administração pública.

Limito-me aqui a falar do Arquivo Histórico Militar e do Arquivo da Defesa Nacional, que conheço melhor. Ambos têm diversos fundos sobre a Guerra Colonial, todos acessíveis.


Cartaz utilizado na Ação Psicológica na
Guerra Colonial, existente no
Arquivo Histórico Militar.
No AHM são essenciais os fundos respeitantes aos três territórios onde a guerra colonial teve lugar – Angola, Guiné e Moçambique. Estes fundos foram separados como colecções de documentos, sem qualquer preocupação organizativa. É necessária alguma paciência para encontrar o que procuramos. Nenhum tem inventário, sendo o acesso feito através de ficheiros manuais.

Foram recentemente abertos dois fundos [em 2006] (Repartição de Gabinete do Ministro da Guerra/Ministro do Exército e Repartição de Gabinete do Chefe de Estado-Maior do Exército) essenciais para o conhecimento e a investigação deste período. Estão organizados segundo as normas e têm inventário, o que facilita enormemente a pesquisa.


Edifício onde está instalado o Arquivo da Defesa
 Nacional, no Centro Militar de Electrónica,
em Paço de Arcos, à espera de ter casa própria.

No que respeita ao ADN, a sua importância para o período da Guerra Colonial é muito grande. Toda a documentação do período da guerra está acessível, embora apenas uma parte possua inventário. A grande massa documental respeita ao Secretariado Geral da Defesa Nacional, cujo acesso é feito através de um registo digital com descrições bastantes pobres. Mas o fundo do Gabinete do Ministro está já definitivamente organizado e possui inventário.

O que essencialmente está a faltar é o trabalho de investigação. Os instrumentos colocados à disposição dos investigadores são bastantes razoáveis. O que todos esperamos é que o assunto mereça cada vez mais interesse da Universidade e do público em geral. O que mais satisfaz os responsáveis por estas instituições é que as suas salas de leitura estejam cheias.

A forma como em Portugal se relembraram (e continuam a relembrar) os 50 anos do início da Guerra Colonial faz-nos crer que o interesse por este período recente e marcante da vida nacional venha a reflectir-se na frequência dos Arquivos militares.


2 comentários:

  1. Caro Coronel Aniceto Afonso, este seu resumo é muito útil para uma 'amadora de história' como eu... No entanto, não resisto acrescentar um pormenor, q é o quanto horário do AHM dificulta enormemente qq consulta... 1 hora e 1/2 para almoço?! abertura às 10 e encerramento às 16:45?! reclamei por escrito, mas nunca me responderam sequer ... um beijinho Fernanda Paraiso

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    1. Cara Amiga, Tem toda a razão, era tempo de o Exército resolver este problema, no interesse dos leitores e no seu próprio interesse. Espero bem que o faça. Abraço amigo.

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