A convite do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra participei num curso de formação com o título
“Arquivos do Silêncio: Estilhaços e Memórias do Império” nos dias 16 e 17 de
Junho de 2011, onde apresentei uma comunicação intitulada “Os Arquivos
militares portugueses e a Guerra Colonial”. Apresento aqui esse texto, em duas
partes. É necessário ler estes textos com referência à época em que foram
elaborados…
Aspeto de um depósito do Arquivo Histórico Militar, onde se guardam documentos e memórias fundamentais para a história de Portugal. |
Parte 1
Foi
como director e responsável do Arquivo Histórico Militar e do Arquivo da Defesa Nacional,
entre 1993 e 2008, que compreendi o valor da preservação dos documentos da
administração pública como um pilar importante da memória colectiva e como
fonte relevante da investigação histórica. Mas compreendi também como a memória
guardada por essas fontes é limitada e parcial.
Foi
nesse período que se levaram a efeito uma série de iniciativas que trouxeram os
arquivos militares e da Defesa para a esfera dos arquivos acessíveis ao
público, em toda a sua dimensão, que incluiu, como não podia deixar de ser, o
tratamento e abertura de novos fundos arquivísticos.
Hoje
pode dizer-se que o Exército, e de uma forma geral a Defesa, se enriqueceu, não
só porque reconheceu as mudanças do mundo moderno, como porque recuperou,
conscientemente, o respeito pela sua memória. Nesse período, e espero que no
presente, as instituições militares foram restabelecendo, de certa forma, os
contactos das partes, antes dispersas ou desaparecidas, da sua própria vida
como instituições públicas.
Os
trabalhos de preservação, salvaguarda e comunicação levados a efeito iniciaram
uma via de contacto entre gerações - neste caso, através do seu património
documental.
Nestas
funções, também compreendi que devíamos estar conscientes que assegurávamos a
ligação do passado (das diversas fases do passado) ao presente, criando
condições para que as decisões de cada presente (que inevitavelmente influenciam
o futuro) pudessem alicerçar-se nos valores que permanecem, no conhecimento
acumulado, na informação disponível, ou seja, para que o presente não pudesse desprezar
o valor da memória, antes se servisse dela para prosseguir os objectivos da instituição,
em especial nas suas relações com os cidadãos a quem deve servir.
Também
reconheci, com esta experiência, que as comunidades desenvolvidas foram ganhando
a serenidade da memória baseada na experiência, e cultivam, em proveito do seu
futuro, a lembrança do seu passado. A investigação, o conhecimento e o
desenvolvimento são processos interligados que se fazem em estudo continuado, e
nunca em solavancos e esforços ocasionais.
Contudo,
a memória não está contida apenas na documentação que é preservada pelos arquivos
da administração pública. Há passos decisivos que têm de ser dados para
acedermos a outras fontes.
Em
primeiro lugar, devemos fazer um esforço para incentivarmos a salvaguarda dos
arquivos pessoais. Eles contêm imensa informação que não existe nos arquivos
oficiais. Nós procurámos iniciar um processo, que se antevê longo, de
recuperação dessa memória dispersa.
Noutra
perspectiva, devemos voltar-nos para uma documentação muito específica que
ainda se conserva nas casas de milhares de portugueses – refiro-me à
correspondência de guerra, trocada entre os militares e as suas famílias e
amigos, durante o período da guerra colonial. Essa é uma via imprescindível
para recuperarmos a memória de uma época tão determinante da nossa acção
colectiva e individual.
Hoje
ainda me atrevo a juntar outro processo, que nós não chegámos a implementar,
mas que a investigação histórica reconhece como indispensável – a fixação da
memória oral dos actores e intervenientes dos processos decisivos do nosso
percurso mais recente.
Nós
podemos, mesmo como cidadãos comuns, especular ou teorizar sobre a memória e as
suas relações com a História, sobre os usos dessa memória, sobre o seu valor
real ou os limites desse valor. Preservar a memória, melhor, as memórias, é a
condição essencial de participarmos na construção da nossa identidade, como
pessoas, como cidadãos, como comunidade, enfim, como homens e mulheres de corpo
inteiro.
Muitas
vezes temos a tentação de ser expeditos na expressão de opiniões genéricas, que
nunca dão solução a qualquer problema. Eu proponho que saibamos escolher as
questões e as aprofundemos até ao limite, assumindo que uma boa solução está ao
nosso alcance. Talvez seja melhor fazermos bem o pouco que podemos, do que
exigirmos muito aos que julgamos que podem.
Preservar
a memória talvez não seja uma acção decisiva para a realização dos nossos anseios
mais imediatos, mas é um projecto que podemos assumir. Este, como muitos
outros, pode ser um projecto da sociedade civil, das associações culturais e
cívicas, das simples vontades individuais. Se olharmos para os nossos deveres e
só depois para os nossos direitos, talvez possamos resgatar essas memórias que
guardamos e as possamos doar aos cidadãos que nos sucederem. Com a consciência
de que as memórias nos dão perspectivas!
Para
isso precisamos apenas de compreender a importância das memórias individuais
como peças da nossa memória comum; devemos participar neste esforço de recolha
e preservação de tantos arquivos que andam dispersos e quase perdidos nas
nossas casas; temos a obrigação de colaborar com aqueles que, por virtude das
suas funções, têm a imensa tarefa de recuperar as nossas memórias.
Queria
ainda deixar-vos uma última ideia. Eu não fui nomeado director do Arquivo
Histórico Militar com qualquer objectivo concreto e especial. Fiquei ali quase
por mero acaso. Mas já que o acaso me colocou nessa função, eu entendi que
devia esforçar-me por preservar a memória de uma geração empenhada e
interveniente nos destinos de Portugal – a geração do 25 de Abril. Posso hoje
dizer-vos que nenhuma outra geração ultrapassa esta na dimensão da sua
representatividade nos arquivos militares. Pesa-me não ter tido oportunidade de
salvaguardar tudo o que respeitava a este período, porque vários fundos
documentais já tinham sido eliminados quando eu cheguei ao Arquivo, mas o que
ainda pudemos fazer é extremamente significativo. Os investigadores que se
dedicarem a este período hão-de dar conta deste nosso labor.
http://www.estacao-imagem.com/pt/bolsa/2014/bolsa
ResponderEliminarFoi com especial carinho e enriquecimento pessoal que passei por esse Arquivo Histórico Militar. Obrigado Sr. Coronel Aniceto Afonso.
ResponderEliminarEu é que agradeço, caro amigo. Foi um tempo compensador, porque fizemos o nosso dever, prestando um serviço público que esteve ao nosso alcance.
Eliminarboa noite Sr. Coronel Aniceto Afonso
ResponderEliminarfoi para mim uma honra encontrar esta página de alto teor que nos honra para sempre pena é que as nossas televisões não passem para que os nossos filhos , netos e bisnetos fiquem com conhecimento do que nós combatentes passamos em terras de além mar .
se me for permitido , só uma pergunta : se existe algo arquivado sobre o incêndio no NIASSA que aconteceu em alto mar em Outubro de 1971 . não querendo me alongar aqui fica os meus sinceros comprimentos a V.Ex. de Avelino Lourenço Paulo soldado corneteiro nº 004762/71
Obrigado. Se existir alguma documentação será no Arquivo Histórico da Marinha. Pode encontrar a página na Internet e apresentar-lhes a questão. Cordiais cumprimentos.
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