domingo, 15 de janeiro de 2017

VOZES DE ABRIL NA DESCOLONIZAÇÃO



Em 2015, o ISCTE e a A25A publicaram um livro com o título “Vozes De Abril na Descolonização”, baseado em entrevistas a três militares de Abril, um por cada território, efetuadas por uma equipa do ISCTE, no âmbito de um projeto mais vasto apoiado pela A25A. Foi coordenado por Ana Mouta Faria e Jorge Martins.

Os militares entrevistados são:
Pela Guiné: Carlos de Matos Gomes
Por Angola: José Villalobos Filipe
Por Moçambique: Nuno Lousada.

Tive o privilégio de apresentar o livro, e julgo que talvez seja oportuno publicar aqui o texto respetivo.





(…)
Como já está esclarecido o contexto do livro e a sua inserção num projeto do ISCTE e da A25A, será melhor passarmos à sua análise.

A Apresentação do livro é feita pela Prof.ª Ana Mouta Faria, onde procura esclarecer o contexto do projeto e deste livro em particular.

Concentrando-se nos três entrevistados, diz-nos o seguinte:

Existem entre todos, cinco traços comuns:

- Integrarem as Forças Armadas, enquanto profissionais;
- Terem cumprido várias comissões de serviços nos teatros de operações africanos;
- Terem larga experiência de guerra;
- Terem aprendido o respeito pelo adversário combatente e o reconhecimento da legitimidade das aspirações emancipalistas;
- Terem consciencializado que a única saída para a guerra colonial era política e não apenas militar.

Mas existem também cinco diferenças muito acentuadas:

- Pertencem a duas gerações distintas;
- São de diferentes Ramos das Forças Armadas;
- São diversos os momentos de adesão ao movimento político-militar revolucionário;
- Traduzem a sua adesão em diferentes graus de compromisso com o Movimento;
- São diferentes as características de cada personalidade.

Também há uma característica comum aos três entrevistados: A partir de Abril de 1974 vão ser nomeados/eleitos para funções político-militares nos respetivos territórios e vão assumir funções de maior ou menor responsabilidade depois do regresso a Portugal.

Os temas anunciados na Apresentação que irão ser abordados nas entrevistas são os seguintes:

- Participação no Movimento dos Capitães / MFA (sobretudo nos teatros de operações);
- Génese e estruturação do Movimento dos Capitães / MFA nos territórios;
- Impacto do 25 de Abril em cada lugar;
- Relacionamento e contactos com os movimentos nacionalistas;
- Conversações prévias e Acordos diplomáticos da descolonização;
- O dia da independência.

(…)

Na Introdução, sobre a génese do MFA, os autores procuram dar-nos uma ideia geral das circunstâncias do movimento conspirativo nas Forças Armadas, e mais particularmente nos territórios em guerra.

Dizem-nos que essencialmente o percurso conspirativo vem do Congresso dos Combatentes, passa pelos decretos das capitães, segue com as reuniões e organização das comissões, passa pelos acontecimentos da Beira e seu significado e desemboca no 25 de Abril.

Indicam-nos alguns nomes do movimento nas colónias, Guiné, Angola e Moçambique, e passam depois ao pós-25 de Abril.

Fazem um apontamento sobre a organização do MFA nos vários territórios e sobre o papel que assumiu, centrando-o em dois objetivos principais:

  •            Controlar o desmoronamento das Forças Armadas;
  •    Garantir uma transição pacífica até ao cumprimento dos acordos de independência.


Seguem-se então as entrevistas, que são bastantes desiguais.

A mais extensa, articulada e consequente é a do Carlos de Matos Gomes, em relação à Guiné. Ele foi um dos elementos fundamentais na constituição do movimento dos capitães, na reação aos problemas que se levantaram ao seu percurso, nos acontecimentos do 25 de Abril e sua sequência, com a tomada do poder pelo MFA, e na condução dos contactos com elementos do PAIGC, pelo menos até ao final de Julho de 1974, altura em que regressou a Portugal.
Como é próprio da sua personalidade, aproveita a oportunidade para falar do que pretende, para esclarecer posições, para aprofundar razões, para deixar mensagens importantes.

Fala da sua participação no movimento dos capitães/MFA, da génese e estruturação do MFA na Guiné, no impacto do 25 de Abril no território, no relacionamento e contactos com elementos nacionalistas do PAIGC no território.

Da Guiné, já tínhamos as memórias do Jorge Golias, publicadas em 2005 com o título “Histórias de Guerra” e do Duran Clemente, texto publicado em 2014 no facebook da A25A, com o título “DESCOLONIZAÇÃO - A Guiné, o 25 e Abril e o reconhecimento da sua independência” (Nota: foi entretanto publicado o livro de Jorge Sales Golias, A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, Colibri, 2016)

Temos, agora, felizmente, a versão do Carlos de Matos Gomes.

A entrevista do Villaboas Filipe é muito interessante. Desde logo, porque é um elemento do MFA de Angola a falar, o que tem sido raro. Com exceção do Pezarat Correia, não conheço outros testemunhos.

Mas a história é substancialmente diferente da história do Matos Gomes.

O Villalobos, também por ser da Força Aérea, não pertenceu ao Movimento dos Capitães. A sua participação é posterior ao 25 de Abril, quando foi nomeado (e depois eleito) para representar a Força Aérea no Gabinete do MFA que se constituiu em Angola. Ele explica todas as circunstâncias na sua entrevista.

Este Gabinete do MFA em Angola é muito surpreendente. Integrava seis oficiais do MFA, sendo dois do Exército, dois da Marinha e dois da Força Aérea! Julgo que será um caso único!

Em Moçambique, a primeira comissão, logo a seguir ao 25 de Abril, vinha do movimento dos capitães, que era aberta a elementos dos outros Ramos, mas que nunca integraram a comissão. Quando foram constituídos os órgãos do MFA, ficou o Gabinete junto do CC, com três oficiais do Exército, um da Marinha e um da Força Aérea, e a Comissão junto do GG, com quatro oficiais do Exército (um miliciano), um da Marinha e um da Força Aérea.

Na Guiné, a Comissão Coordenadora ficou constituída pela paridade de 5+4+4, sendo o núcleo permanente de 2+1+1.

O Villalobos fala da sua relação com o MFA, da génese e estruturação do MFA em Angola, do impacto do 25 de Abril no território, do relacionamento e contactos com os movimentos nacionalistas e também das conversações prévias e dos acordos. Aproveita para ir fazendo uma história das dificuldades, das incongruências, do confronto de projetos, do comportamento das pessoas e dos comandantes, das fases do processo de transferência de soberania em Angola, pelo menos até ao seu regresso a Portugal, em fins de Junho de 1975, mais de um ano depois do fim da sua comissão.

O Villalobos tem uma visão muito lúcida sobre a situação, descrevendo um quadro muito próximo daquilo que foram os tremendos desafios que se colocaram ao MFA de Angola.

Acho que precisamos de mais testemunhos deste processo.

Finalmente o Nuno Lousada fala de Moçambique. A sua entrevista concentra-se no conhecido episódio de Lusaca, onde ele ficou depois das negociações, enquanto em Lourenço Marques, um grupo de brancos extremistas e irresponsáveis agia contra a nova realidade numa ação que podemos classificar de “crime sem perdão”.

É pena que o Nuno Lousada não tivesse querido abordar outras questões que lhe foram colocadas e limitasse a entrevista a esse episódio. Paciência! Pode ser que surjam ainda outros testemunhos, no âmbito deste projeto. Eu próprio já fui entrevistado e espero que outros protagonistas o tenham sido ou venham a ser.

Voltando ao livro que aqui apresentamos, vem, depois das entrevistas, uma cronologia comparada dos vários processos, tentativa que me parece inédita e que resulta muito elucidativa. Julgo que carece de novos factos, mas esta primeira versão transmite já uma interessante possibilidade de acompanhar os acontecimentos em cada um dos territórios em estudo, assim como em Portugal.

Na última parte, os autores fazem uma síntese dos contributos de cada um dos entrevistados para o conhecimento dos processos de independência, muito útil para melhor conhecermos quem eles são e o que fizeram.




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