domingo, 8 de janeiro de 2017

GUERRA COLONIAL - ESTAVA O EXÉRCITO PREPARADO?



Parte 3


Almeida Fernandes e Costa Gomes, dois membros da equipa
da Defesa, chefiada por Botelho Moniz (AHM).

Já depois da mudança interna provocada pela “Abrilada”, o coronel Fernando Valença escreveu, em Setembro de 1961, um documento de defesa da acção de Almeida Fernandes como ministro do Exército em que esclarece algumas destas dúvidas. A primeira referência aparece quando o autor enumera as medidas tomadas por Almeida Fernandes, enquanto ministro, e se refere à “Criação do Centro de Instrução de Operações Especiais (5) e das unidades de Caçadores Especiais”, comentando a propósito: “Com estas medidas foi concretizada, pela primeira vez entre nós, a preocupação essencial do estudo dos problemas e da preparação inerente à defesa do nosso ultramar – objectivo fundamental da nossa política militar de sempre” (com esta última parte sublinhada no original). Mas Fernando Valença, íntimo colaborador de Almeida Fernandes, não poderia deixar de se referir ao problema de Angola, já que em Setembro de 1961 ele constituía a única e grande preocupação do Exército. Sempre em defesa do seu ministro, fá-lo da seguinte maneira: “Convém nesta altura acentuar que nos temos apenas referido à obra reformadora do coronel Almeida Fernandes em prol da organização do Exército. Às deficiências verificadas a partir de Março do corrente ano no dispositivo militar de defesa de Angola e a manifesta impreparação do Exército para o desempenho das missões que lhe competem no Ultramar, só lhe podem caber responsabilidades indirectas e muito limitadas”. Porque, justifica Fernando Valença, “As responsabilidades directas, no que toca às actividades operacionais do Exército no Ultramar, cabem à Defesa Nacional, ao Conselho Superior Militar e, dentro do Exército, mais tecnicamente, ao Chefe do Estado Maior do Exército”.

Como sabemos, o general Botelho Moniz tentou, nesses meses finais do seu mandato, antes de Abril de 1961, uma solução próxima aos “ventos da História”, envolvendo o apoio da nova Administração americana, no sentido de apontar um caminho aceitável para a interminável e insolúvel questão colonial portuguesa e, ao mesmo tempo, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Câmara Pina, regressado de Angola, onde acompanhou os acontecimentos de Março de 1961, apoiava, com grande ligeireza, as palavras do chefe do Estado-Maior-General, Beleza Ferraz, que seguira na mesma visita: “A situação em Angola está em vias de franco restabelecimento. As Forças Armadas têm cumprido admiravelmente o seu dever. É de esperar, por isso, que dentro em breve todos os bandos terroristas, vindos do exterior, sejam completamente expulsos e a calma e o sossego voltem de novo a reinar na nossa bela e querida província de Angola”. E acrescentava que, brevemente, a acção militar ficaria reduzida a simples acções de polícia.

Ou seja, entre, por um lado, as preocupações políticas de consertar com o embaixador americano um apoio à capacidade militar portuguesa, assim como de convencer Salazar a aceitar mudanças que necessariamente o derrubariam, e, por outro lado, as preocupações de levar à prática uma profunda mudança organizativa das Forças Armadas, para se adequarem aos tempos modernos, a equipa militar de 1958 não conseguiu nem convencer Salazar, nem concretizar o apoio americano, nem preparar o Exército para o iminente conflito africano.

Apesar de todas estas circunstâncias, a verdade é que, no início de 1959, o ministro do Exército tinha nomeado, passando por cima das orientações contidas nos documentos de enquadramento iniciais, uma comissão para estudar as “condi­ções particulares que envolvem a segurança dos vários territórios da Nação Portuguesa, quer metropolitanos, quer — e, sobretudo — ultramarinos”, tendo em vista a criação de “unidades especiais de intervenção imediata”. E logo de seguida, em Abril do mesmo ano, Almeida Fernandes assinava uma Directiva sobre a necessidade de organização de unidades terrestres para operações de contra-guerrilha para actuação no Ultramar.

Reorganizado o Ministério do Exército, que passou a ter jurisdição militar sobre os territórios coloniais, outra Directiva do ministro, publicada em Outubro do mesmo ano de 1959, acerca da nova “Política Militar Nacional”.

O ministro do Exército foi o primeiro dos responsáveis militares a traduzir numa directiva geral para o seu Ramo as novas orientações da política de defesa definidas pelo Presidente do Conselho, pelo Conselho Superior de Defesa Nacional e pelo ministro da Defesa. Antes de enunciar as “Directrizes para as actividades do Exército”, o documento refere as “bases da nossa política militar a ter em conta em todas as actividades futuras das Forças Armadas”. Essas bases, que representavam uma radical mudança de política nacional, eram as seguintes, de forma abreviada:

“a) Evitar, cuidadosamente, novos compromissos com a NATO (…);
b) Manter as ligações militares com a Espanha com vista à defesa pirenaica, mas considerando-as mais como elemento de apoio e reforço da política, que atinentes ao concerto duma efectiva e eficaz defesa;
c) Aumentar, na medida do possível, o esforço de Defesa do Ultramar. Realizar este esforço pela seguinte ordem de prioridade: Guiné, Angola, Moçambique (…);
d) Manter na Índia, em Macau e em Timor as forças que bastem para assegurar os limitados objectivos que ali temos (…);
e) Quanto aos arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, considera-se que, de momento, não há problemas especiais a enfrentar (…);
f) Intensificar o esforço militar no Ultramar, procedendo à remodelação da orgânica militar na Guiné, Angola e Moçambique, de forma a torná-la adequada à guerra subversiva (…);
g) Intensificar a contribuição da Força Aérea na defesa do Ultramar (…);
h) Procurar intensificar a política de colaboração diplomática com os países amigos e aliados vizinhos em África, a fim de se evitar ou limitar a acção de infiltração e de premente ameaça que procura subverter as nações ocidentais, estabelecendo os contactos e as alianças necessárias para a defesa dos interesses comuns no Ultramar, beneficiando indirectamente a NATO.”

Mas atenção! Estes documentos não traduzem necessariamente medidas tomadas, eles indicam apenas uma ordem de esforços e a concentração de meios existentes.

De facto, o orçamento não acompanhou as intenções de mudança. De qualquer modo, com este conjunto de diplomas, foi criada uma estrutura prévia, que serviria para o futuro e que, de facto, foi implantada quando a guerra começou.

……

(5) De facto, ao iniciar-se a década de 1960, a percepção da ameaça que pende sobre o Ultramar leva à criação de um centro de instrução destinado a preparar quadros para as operações de contra-insurreição (Decreto 42.926, de 16 de Abril de 1960). É, assim, organizado o Centro de Instrução de Operações Especiais, o qual fica instalado na cidade de Lamego no aquartelamento do Regimento de Infantaria n.º 9, que é extinto.

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