domingo, 8 de janeiro de 2017

GUERRA COLONIAL - ESTAVA O EXÉRCITO PREPARADO?




Parte 4


Chegada de material de guerra ao porto de Lisboa, década de 50 (AHM).


Apesar de tudo isto, destas bases fundamentais para a acção, a verdade é que nem sequer o conceito de exército territorial chegou a sofrer um grande abalo com as reformas de Almeida Fernandes, pois Câmara Pina, que continuou chefe do Estado-Maior do Exército até 1969, ano da sua passagem à situação de Reserva, encarregou-se de fazer dele, como sempre fora, dentro do regime, uma força de ocupação do terreno. O seu exército, metropolitano ou ultramarino, baseado em unidades implantadas em superfície, para controlarem áreas e pontos importantes e defenderem fronteiras e vias de comunicação, era sobretudo um exército para manter a ordem e a soberania. Daí até à adopção do conceito de quadrícula, em que todo o território é dividido e subdividido em zonas de acção de unidades de diversos escalões, foi um passo simples.

Na verdade, a criação de unidades e estruturas afectas à NATO nos anos 50, não chegou a alterar substancialmente o conceito de exército de massas que caracterizava o Exército Português na Metrópole. A Divisão SHAPE (3ª Divisão) com sede em Tomar e depois em Santa Margarida, onde se situava também o respectivo campo de manobras, foi um corpo de certa forma estranho ao exército que alguns chefes militares queriam que continuasse adormecido nos quartéis (6). Também o movimento descolonizador, em crescimento desde a Segunda Guerra Mundial, não logrou convencer esses chefes da necessidade de reorganizar o Exército para combater em África. O conceito de Câmara Pina para o Exército seguia a ideia de Salazar - acima de tudo, não devia ser pesado ao orçamento nacional.

Um Exército de mobilidade exigia investimentos em meios e em pessoal, viaturas de vários tipos, helicópteros, técnicos preparados para operarem e manterem os sistemas de armas. Mas para ser barato, o Exército devia dispor de poucas viaturas de transporte (as primeiras de que dispôs eram as que equipavam as unidades NATO), poucos blindados, poucas viaturas de engenharia militar. Resultaram daqui as dificuldades de progressão que se tornaram visíveis nas fotografias da época das unidades pelos itinerários do Norte de Angola – abatizes levantados à força de braço, pontes improvisadas, militares de peito descoberto em cima de jipes armados com uma metralhadora!

É um Exército que não foi organizado nem preparado para combater, que está equipado com a espingarda de repetição Mauser como arma individual, que não tem equipamentos de rádio, excepto e mais uma vez, os que equipavam as unidades NATO, e que não se adaptavam às imensas distâncias do novo teatro de operações. Um Exército que em 1961 não tem uma mochila, um equipamento individual de combate onde pendurar as cartucheiras e o cantil, que não tinha um uniforme de combate!

O modelo de organização para responder à situação de guerra nos territórios ultramarinos resultou da improvisação devida à ausência de planeamento. Colocadas perante uma situação de sublevação, as Forças Armadas (e, em especial, o Exército) tiveram que actuar em duas frentes: a acção militar directa através de operações militares – a sua tarefa principal – e o assumir da administração civil. Se a primeira das missões era exclusiva dos militares e só eles a podiam realizar, já a segunda, que foi designada genericamente como acção psicossocial, foi fruto da ausência de uma efectiva administração civil nos territórios onde decorreu a guerra.

Em suma, o Exército Português iniciou a guerra colonial sem estar preparado, mesmo que tenha havido, nos últimos anos um notável esforço de mudança, a que Salazar não chegou a dar apoio. Os sinais eram claros, mas os orçamentos eram escassos. A ditadura portuguesa vivia dos mitos que criara, vivia da nação una e indivisível, da pátria pluricontinental e multirracial. Entretanto, na zona Norte de Angola, a mais exposta a possíveis ataques, não existia nenhuma unidade militar! A Marinha não dispunha de uma só lancha com capacidade para patrulhar o rio Zaire, que seria uma das fronteiras por onde os guerrilheiros passariam obrigatoriamente. A aviação militar não tinha qualquer base aérea permanente em Angola, sendo os aviões destacados das bases da Metrópole. Não existia um sistema de comunicações militares. Não existia um sistema de logística. Não havia legislação apropriada a acções militares.

A inacção do governo de Salazar face aos sinais e às notícias que chegavam de África continua sem explicação racional. A existência da UPA era conhecida desde 1957, data da independência do Gana. A independência do Congo Belga ocorreu em Junho de 1960 e provocou uma vaga de refugiados entre a grande colónia portuguesa ali residente, mas o governo manteve em Angola as Forças Armadas como se nada tivesse mudado, com um dispositivo de tropas ultramarinas, mal armadas e mal organizadas.

Por tudo isso e por muitas outras razões, é altura de alargar ainda mais a investigação histórica a estes acontecimentos e de realizar reuniões e debates, como este em que agora participamos.

……
(6) A partir de 1957, a grande unidade atribuída à OTAN — 3ª Divisão ou Divisão Nun’Álvares — encontra-se constituída. A maior parte do seu efectivo, de cerca de 18.000 homens, é obtido por mobilização de pessoal na situação de disponibilidade. O respectivo Quartel General instala-se definitivamente em Santa Margarida. A organização da 3ª Divisão corresponde, igualmente, ao início da influência dos EUA nas Forças Armadas portuguesas. Essa influência reflecte-se, claramente, na doutrina táctica adoptada e nos novos armamentos e equipamentos.         



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