domingo, 8 de janeiro de 2017

GUERRA COLONIAL - ESTAVA O EXÉRCITO PREPARADO?



Parte 2


Programa do colóquio "1961, o Ano 'Terrível' de Salazar".

A campanha de Humberto Delgado, em 1958, foi, para as Forças Armadas, como para tantos outros sectores da actividade nacional, um marco de viragem, que acabou por representar um enorme desafio para a sobrevivência do regime.

Todas estas circunstâncias concorreram para que uma nova equipa chegasse ao poder militar, ainda em 1958, quando Botelho Moniz substituiu Santos Costa na pasta da Defesa Nacional. Esta equipa envolveu-se, finalmente, numa mudança militar, utilizando as modernas metodologias da NATO, mas tendo em conta um conceito de defesa completamente diferente, com base nas novíssimas ameaças que pairavam sobre as colónias portuguesas.

A equipa do Exército era chefiada pelo ministro, Almeida Fernandes, e pelo seu subsecretário de Estado, Francisco da Costa Gomes.

Num dos primeiros documentos que elaboraram, datado de 24 de Junho de 1958, para servir de directiva básica à reestruturação do Exército, procuraram sistematizar, muito sinteticamente, mas de forma ousada, as condicionantes de partida. No que dizia respeito à “atitude das Forças Armadas perante a situação política vigente”, os autores são muito claros: “As Forças Armadas mantêm-se, por disciplina e sensatez, coesas e prontas a reprimir alterações da ordem pública. No entanto, não é o mesmo o espírito dos diversos escalões.
Nos oficiais, para cima de Major, pode dizer-se que a maioria é simpatizante com a situação política vigente. Pelo contrário, nos restantes oficiais, nos sargentos e nas praças readmitidas é quase geral o descontentamento. Crê-se que muito poucos subalternos, sargentos e praças tenham votado no candidato da União Nacional”.

Estava assim demonstrado que não se desconhecia a situação e que haveria muito trabalho a fazer. Mas para que não restassem dúvidas sobre os motivos que conduziram a esse ponto, o documento aponta depois as “Causas da situação do país perante a situação política vigente”, e que eram, em suma – “Pouco crédito que os quadros da actual situação política merecem ao país; Pouca eficiência do governo; Mau funcionamento dos Serviços Públicos; Disparidade de nível de vida das diversas classes da população; Deficiente preparação da juventude”.

Assim, e desenvolvidas mais algumas análises pertinentes, os autores alinham, no final do documento, as “Medidas a tomar para eliminar as causas do descontentamento apresentadas”, que vão desde o saneamento da situação política, à remodelação do governo e outras medidas, incluindo uma muito curiosa, que passava por “Estudar e pôr em execução um sistema que evite a excessiva proletarização das Forças Armadas”.

Feito assim o enquadramento geral da situação política, tornava-se necessário voltar ao Exército. Foi o que a nova equipa fez, através de um memorial com o título de “Os grandes problemas do Exército”, no final desse ano de 1958. A mudança necessária assentava no reconhecimento de que o mundo sofrera “uma tremenda alteração de factores e de circunstâncias, depois da última conflagração internacional”, o que tornava imperiosa a procura das “correspondentes adaptações”. Assim sendo, quais eram então as circunstâncias que obrigavam a essas mudanças?

Segundo o documento que seguimos, as mais “flagrantes” seriam, por esta ordem: Em primeiro lugar, o “Aparecimento de novas armas e de novas técnicas, que provocaram alterações nas características da luta armada (…) O conceito de massas armadas foi substituído pelo conceito qualitativo de formações altamente instruídas e treinadas”; em segundo lugar, a “Possibilidade e mesmo necessidade de alargar a escala dos espaços geográficos (…)” que, em relação a Portugal e ao Exército deveria abarcar “efectivamente, todo o conjunto dos seus territórios espalhados pelo Mundo”; em terceiro lugar, “Efectivo alinhamento da Nação numa política internacional determinada, a que correspondem orientações estratégicas e padrões de preparação militar definidos e a que estamos vinculados por concretos compromissos”; ainda, o “Carácter eminentemente combinado das acções militares modernas, implicando uma perfeita coordenação de actividades com tendência para a integração de medidas e serviços”; em consequência e finalmente, deveria assinalar-se “o facto de estar em curso o estudo de um mais equilibrado esforço orçamental, entre os três ramos das Forças Armadas”.


O que é surpreendente neste “Memorial” é o pouco relevo da questão colonial nas preocupações dos novos dirigentes do Exército. Apesar de constatarem a dimensão mundial dos futuros conflitos, reconhecendo portanto a necessidade de incluir os territórios portugueses espalhados pelo mundo na “escala dos espaços geográficos”, a verdade é que nada configura a consideração da ameaça do movimento descolonizador e da sua chegada a esses territórios. Porventura, mesmo para esta equipa, conhecedora, evoluída e atenta às mudanças, seria cedo para a percepção do avanço desse movimento anticolonial, destinado a mudar radicalmente o mundo nas duas décadas seguintes!


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