Em 2015, o ISCTE e a A25A publicaram um
livro com o título “Vozes De Abril na Descolonização”, baseado em entrevistas a
três militares de Abril, um por cada território, efetuadas por uma equipa do
ISCTE, no âmbito de um projeto mais vasto apoiado pela A25A. Foi coordenado por
Ana Mouta Faria e Jorge Martins.
Os militares entrevistados são:
Pela
Guiné: Carlos de Matos Gomes
Por
Angola: José Villalobos Filipe
Por
Moçambique: Nuno Lousada.
Tive o privilégio de apresentar o
livro, e julgo que talvez seja oportuno publicar aqui o texto respetivo.
(…)
Como
já está esclarecido o contexto do livro e a sua inserção num projeto do ISCTE e
da A25A, será melhor passarmos à sua análise.
A Apresentação
do livro é feita pela Prof.ª Ana Mouta Faria, onde procura esclarecer o
contexto do projeto e deste livro em particular.
Concentrando-se nos três entrevistados,
diz-nos o seguinte:
Existem entre todos, cinco traços comuns:
- Integrarem as Forças Armadas, enquanto
profissionais;
- Terem cumprido várias comissões de
serviços nos teatros de operações africanos;
- Terem larga experiência de guerra;
- Terem aprendido o respeito pelo adversário
combatente e o reconhecimento da legitimidade das aspirações emancipalistas;
- Terem consciencializado que a única saída
para a guerra colonial era política e não apenas militar.
Mas existem também cinco diferenças muito
acentuadas:
- Pertencem a duas gerações distintas;
- São de diferentes Ramos das Forças Armadas;
- São diversos os momentos de adesão ao
movimento político-militar revolucionário;
- Traduzem a sua adesão em diferentes graus
de compromisso com o Movimento;
- São diferentes as características de cada
personalidade.
Também há uma característica comum aos três
entrevistados: A partir de Abril de 1974 vão ser nomeados/eleitos para funções
político-militares nos respetivos territórios e vão assumir funções de maior ou
menor responsabilidade depois do regresso a Portugal.
Os temas anunciados na Apresentação que irão ser abordados nas entrevistas são os
seguintes:
- Participação no Movimento dos Capitães / MFA
(sobretudo nos teatros de operações);
- Génese e estruturação do Movimento dos Capitães
/ MFA nos territórios;
- Impacto do 25 de Abril em cada lugar;
- Relacionamento e contactos com os
movimentos nacionalistas;
- Conversações prévias e Acordos
diplomáticos da descolonização;
- O dia da independência.
(…)
Na Introdução,
sobre a génese do MFA, os autores procuram dar-nos uma ideia geral das
circunstâncias do movimento conspirativo nas Forças Armadas, e mais particularmente
nos territórios em guerra.
Dizem-nos que essencialmente o percurso conspirativo
vem do Congresso dos Combatentes, passa pelos decretos das capitães, segue com
as reuniões e organização das comissões, passa pelos acontecimentos da Beira e
seu significado e desemboca no 25 de Abril.
Indicam-nos alguns nomes do movimento nas
colónias, Guiné, Angola e Moçambique, e passam depois ao pós-25 de Abril.
Fazem um apontamento sobre a organização do
MFA nos vários territórios e sobre o papel que assumiu, centrando-o em dois
objetivos principais:
- Controlar o desmoronamento das Forças Armadas;
- Garantir uma transição pacífica até ao cumprimento dos acordos de independência.
Seguem-se então as entrevistas, que são bastantes
desiguais.
A mais extensa, articulada e consequente é a
do Carlos de Matos Gomes, em relação à Guiné. Ele foi um dos elementos
fundamentais na constituição do movimento dos capitães, na reação aos problemas
que se levantaram ao seu percurso, nos acontecimentos do 25 de Abril e sua
sequência, com a tomada do poder pelo MFA, e na condução dos contactos com
elementos do PAIGC, pelo menos até ao final de Julho de 1974, altura em que
regressou a Portugal.
Como é próprio da sua personalidade,
aproveita a oportunidade para falar do que pretende, para esclarecer posições,
para aprofundar razões, para deixar mensagens importantes.
Fala da sua participação no movimento dos
capitães/MFA, da génese e estruturação do MFA na Guiné, no impacto do 25 de
Abril no território, no relacionamento e contactos com elementos nacionalistas
do PAIGC no território.
Da Guiné, já tínhamos as memórias do Jorge
Golias, publicadas em 2005 com o título “Histórias de Guerra” e do Duran
Clemente, texto publicado em 2014 no facebook da A25A, com o título “DESCOLONIZAÇÃO - A Guiné, o 25 e Abril e o
reconhecimento da sua independência” (Nota: foi entretanto publicado o livro de Jorge Sales Golias, A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, Colibri, 2016).
Temos, agora, felizmente, a versão do Carlos
de Matos Gomes.
A entrevista do Villaboas Filipe é muito
interessante. Desde logo, porque é um elemento do MFA de Angola a falar, o que
tem sido raro. Com exceção do Pezarat Correia, não conheço outros testemunhos.
Mas a história é substancialmente diferente
da história do Matos Gomes.
O Villalobos, também por ser da Força Aérea,
não pertenceu ao Movimento dos Capitães. A sua participação é posterior ao 25
de Abril, quando foi nomeado (e depois eleito) para representar a Força Aérea
no Gabinete do MFA que se constituiu em Angola. Ele explica todas as
circunstâncias na sua entrevista.
Este Gabinete do MFA em Angola é muito
surpreendente. Integrava seis oficiais do MFA, sendo dois do Exército, dois da
Marinha e dois da Força Aérea! Julgo que será um caso único!
Em Moçambique, a primeira comissão, logo a
seguir ao 25 de Abril, vinha do movimento dos capitães, que era aberta a
elementos dos outros Ramos, mas que nunca integraram a comissão. Quando foram
constituídos os órgãos do MFA, ficou o Gabinete junto do CC, com três oficiais
do Exército, um da Marinha e um da Força Aérea, e a Comissão junto do GG, com
quatro oficiais do Exército (um miliciano), um da Marinha e um da Força Aérea.
Na Guiné, a Comissão Coordenadora ficou
constituída pela paridade de 5+4+4, sendo o núcleo permanente de 2+1+1.
O Villalobos fala da sua relação com o MFA,
da génese e estruturação do MFA em Angola, do impacto do 25 de Abril no
território, do relacionamento e contactos com os movimentos nacionalistas e
também das conversações prévias e dos acordos. Aproveita para ir fazendo uma
história das dificuldades, das incongruências, do confronto de projetos, do comportamento
das pessoas e dos comandantes, das fases do processo de transferência de
soberania em Angola, pelo menos até ao seu regresso a Portugal, em fins de
Junho de 1975, mais de um ano depois do fim da sua comissão.
O Villalobos tem uma visão muito lúcida
sobre a situação, descrevendo um quadro muito próximo daquilo que foram os
tremendos desafios que se colocaram ao MFA de Angola.
Acho que precisamos de mais testemunhos
deste processo.
Finalmente o Nuno Lousada fala de
Moçambique. A sua entrevista concentra-se no conhecido episódio de Lusaca, onde
ele ficou depois das negociações, enquanto em Lourenço Marques, um grupo de brancos
extremistas e irresponsáveis agia contra a nova realidade numa ação que podemos
classificar de “crime sem perdão”.
É pena que o Nuno Lousada não tivesse
querido abordar outras questões que lhe foram colocadas e limitasse a
entrevista a esse episódio. Paciência! Pode ser que surjam ainda outros
testemunhos, no âmbito deste projeto. Eu próprio já fui entrevistado e espero
que outros protagonistas o tenham sido ou venham a ser.
Voltando ao livro que aqui apresentamos,
vem, depois das entrevistas, uma cronologia comparada dos vários processos,
tentativa que me parece inédita e que resulta muito elucidativa. Julgo que
carece de novos factos, mas esta primeira versão transmite já uma interessante
possibilidade de acompanhar os acontecimentos em cada um dos territórios em
estudo, assim como em Portugal.
Na última parte, os autores fazem uma
síntese dos contributos de cada um dos entrevistados para o conhecimento dos
processos de independência, muito útil para melhor conhecermos quem eles são e
o que fizeram.
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