Parte 4
Chegada de material de guerra ao porto de Lisboa, década de 50 (AHM). |
Apesar
de tudo isto, destas bases fundamentais para a acção, a verdade é que nem
sequer o conceito de exército territorial chegou a sofrer um grande abalo com
as reformas de Almeida Fernandes, pois Câmara Pina, que continuou chefe do
Estado-Maior do Exército até 1969, ano da sua passagem à situação de Reserva,
encarregou-se de fazer dele, como sempre fora, dentro do regime, uma força de ocupação
do terreno. O seu exército, metropolitano ou ultramarino, baseado em unidades
implantadas em superfície, para controlarem áreas e pontos importantes e
defenderem fronteiras e vias de comunicação, era sobretudo um exército para
manter a ordem e a soberania. Daí até à adopção do conceito de quadrícula, em
que todo o território é dividido e subdividido em zonas de acção de unidades de
diversos escalões, foi um passo simples.
Na
verdade, a criação de unidades e estruturas afectas à NATO nos anos 50, não chegou
a alterar substancialmente o conceito de exército de massas que caracterizava o
Exército Português na Metrópole. A Divisão SHAPE (3ª Divisão) com sede em Tomar
e depois em Santa Margarida, onde se situava também o respectivo campo de
manobras, foi um corpo de certa forma estranho ao exército que alguns chefes
militares queriam que continuasse adormecido nos quartéis (6). Também o
movimento descolonizador, em crescimento desde a Segunda Guerra Mundial, não
logrou convencer esses chefes da necessidade de reorganizar o Exército para
combater em África. O conceito de Câmara Pina para o Exército seguia a ideia de
Salazar - acima de tudo, não devia ser pesado ao orçamento nacional.
Um
Exército de mobilidade exigia investimentos em meios e em pessoal, viaturas de
vários tipos, helicópteros, técnicos preparados para operarem e manterem os
sistemas de armas. Mas para ser barato, o Exército devia dispor de poucas
viaturas de transporte (as primeiras de que dispôs eram as que equipavam as
unidades NATO), poucos blindados, poucas viaturas de engenharia militar.
Resultaram daqui as dificuldades de progressão que se tornaram visíveis nas
fotografias da época das unidades pelos itinerários do Norte de Angola –
abatizes levantados à força de braço, pontes improvisadas, militares de peito
descoberto em cima de jipes armados com uma metralhadora!
É
um Exército que não foi organizado nem preparado para combater, que está
equipado com a espingarda de repetição Mauser como arma individual, que não tem
equipamentos de rádio, excepto e mais uma vez, os que equipavam as unidades
NATO, e que não se adaptavam às imensas distâncias do novo teatro de operações.
Um Exército que em 1961 não tem uma mochila, um equipamento individual de
combate onde pendurar as cartucheiras e o cantil, que não tinha um uniforme de
combate!
O modelo de organização para responder à situação de guerra nos
territórios ultramarinos resultou da improvisação devida à ausência de
planeamento. Colocadas perante uma situação de sublevação, as Forças Armadas
(e, em especial, o Exército) tiveram que actuar em duas frentes: a acção
militar directa através de operações militares – a sua tarefa principal – e o
assumir da administração civil. Se a primeira das missões era exclusiva dos
militares e só eles a podiam realizar, já a segunda, que foi designada genericamente
como acção psicossocial, foi fruto da ausência de uma efectiva administração
civil nos territórios onde decorreu a guerra.
Em
suma, o Exército Português iniciou a guerra colonial sem estar preparado, mesmo
que tenha havido, nos últimos anos um notável esforço de mudança, a que Salazar
não chegou a dar apoio. Os sinais eram claros, mas os orçamentos eram escassos.
A ditadura portuguesa vivia dos mitos que criara, vivia da nação una e
indivisível, da pátria pluricontinental e multirracial. Entretanto, na zona
Norte de Angola, a mais exposta a possíveis ataques, não existia nenhuma
unidade militar! A Marinha não dispunha de uma só lancha com capacidade para
patrulhar o rio Zaire, que seria uma das fronteiras por onde os guerrilheiros
passariam obrigatoriamente. A aviação militar não tinha qualquer base aérea
permanente em Angola, sendo os aviões destacados das bases da Metrópole. Não
existia um sistema de comunicações militares. Não existia um sistema de logística.
Não havia legislação apropriada a acções militares.
A
inacção do governo de Salazar face aos sinais e às notícias que chegavam de
África continua sem explicação racional. A existência da UPA era conhecida
desde 1957, data da independência do Gana. A independência do Congo Belga
ocorreu em Junho de 1960 e provocou uma vaga de refugiados entre a grande
colónia portuguesa ali residente, mas o governo manteve em Angola as Forças
Armadas como se nada tivesse mudado, com um dispositivo de tropas ultramarinas,
mal armadas e mal organizadas.
Por
tudo isso e por muitas outras razões, é altura de alargar ainda mais a
investigação histórica a estes acontecimentos e de realizar reuniões e debates,
como este em que agora participamos.
……
(6)
A partir
de 1957, a
grande unidade atribuída à OTAN — 3ª Divisão ou Divisão Nun’Álvares —
encontra-se constituída. A maior parte do seu efectivo, de cerca de 18.000
homens, é obtido por mobilização de pessoal na situação de disponibilidade. O
respectivo Quartel General instala-se definitivamente em Santa Margarida. A
organização da 3ª Divisão corresponde, igualmente, ao início da influência dos
EUA nas Forças Armadas portuguesas. Essa influência reflecte-se, claramente, na
doutrina táctica adoptada e nos novos armamentos e equipamentos.
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