Parte 3
Almeida Fernandes e Costa Gomes, dois membros da equipa da Defesa, chefiada por Botelho Moniz (AHM). |
Já
depois da mudança interna provocada pela “Abrilada”, o coronel Fernando Valença
escreveu, em Setembro de 1961, um documento de defesa da acção de Almeida
Fernandes como ministro do Exército em que esclarece algumas destas dúvidas. A
primeira referência aparece quando o autor enumera as medidas tomadas por
Almeida Fernandes, enquanto ministro, e se refere à “Criação do Centro de
Instrução de Operações Especiais (5) e das unidades de Caçadores Especiais”,
comentando a propósito: “Com estas medidas foi concretizada, pela primeira vez
entre nós, a preocupação essencial do estudo dos problemas e da preparação
inerente à defesa do nosso ultramar – objectivo fundamental da nossa política
militar de sempre” (com esta última parte sublinhada no original). Mas Fernando
Valença, íntimo colaborador de Almeida Fernandes, não poderia deixar de se
referir ao problema de Angola, já que em Setembro de 1961 ele constituía a
única e grande preocupação do Exército. Sempre em defesa do seu ministro, fá-lo
da seguinte maneira: “Convém nesta altura acentuar que nos temos apenas
referido à obra reformadora do coronel Almeida Fernandes em prol da organização
do Exército. Às deficiências verificadas a partir de Março do corrente ano no
dispositivo militar de defesa de Angola e a manifesta impreparação do Exército
para o desempenho das missões que lhe competem no Ultramar, só lhe podem caber
responsabilidades indirectas e muito limitadas”. Porque, justifica Fernando
Valença, “As responsabilidades directas, no que toca às actividades
operacionais do Exército no Ultramar, cabem à Defesa Nacional, ao Conselho
Superior Militar e, dentro do Exército, mais tecnicamente, ao Chefe do Estado
Maior do Exército”.
Como
sabemos, o general Botelho Moniz tentou, nesses meses finais do seu mandato,
antes de Abril de 1961, uma solução próxima aos “ventos da História”,
envolvendo o apoio da nova Administração americana, no sentido de apontar um
caminho aceitável para a interminável e insolúvel questão colonial portuguesa
e, ao mesmo tempo, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Câmara Pina,
regressado de Angola, onde acompanhou os acontecimentos de Março de 1961, apoiava,
com grande ligeireza, as palavras do chefe do Estado-Maior-General, Beleza
Ferraz, que seguira na mesma visita: “A situação em Angola está em vias de
franco restabelecimento. As Forças Armadas têm cumprido admiravelmente o seu
dever. É de esperar, por isso, que dentro em breve todos os bandos terroristas,
vindos do exterior, sejam completamente expulsos e a calma e o sossego voltem
de novo a reinar na nossa bela e querida província de Angola”. E acrescentava
que, brevemente, a acção militar ficaria reduzida a simples acções de polícia.
Ou
seja, entre, por um lado, as preocupações políticas de consertar com o
embaixador americano um apoio à capacidade militar portuguesa, assim como de
convencer Salazar a aceitar mudanças que necessariamente o derrubariam, e, por
outro lado, as preocupações de levar à prática uma profunda mudança
organizativa das Forças Armadas, para se adequarem aos tempos modernos, a
equipa militar de 1958 não conseguiu nem convencer Salazar, nem concretizar o
apoio americano, nem preparar o Exército para o iminente conflito africano.
Apesar
de todas estas circunstâncias, a verdade é que, no início de 1959, o ministro
do Exército tinha nomeado, passando por cima das orientações contidas nos
documentos de enquadramento iniciais, uma comissão para estudar as “condições
particulares que envolvem a segurança dos vários territórios da Nação
Portuguesa, quer metropolitanos, quer — e, sobretudo — ultramarinos”,
tendo em vista a criação de “unidades especiais de intervenção imediata”. E
logo de seguida, em Abril do mesmo ano, Almeida Fernandes assinava uma Directiva sobre a necessidade de organização de
unidades terrestres para operações de contra-guerrilha para actuação no
Ultramar.
Reorganizado o Ministério do Exército, que passou a ter
jurisdição militar sobre os territórios coloniais, outra Directiva do ministro,
publicada em Outubro do mesmo ano de 1959, acerca da nova “Política Militar
Nacional”.
O ministro do Exército foi o primeiro dos responsáveis
militares a traduzir numa directiva geral para o seu Ramo as novas orientações
da política de defesa definidas pelo Presidente do Conselho, pelo Conselho
Superior de Defesa Nacional e pelo ministro da Defesa. Antes de enunciar as
“Directrizes para as actividades do Exército”, o documento refere as “bases da
nossa política militar a ter em conta em todas as actividades futuras das
Forças Armadas”. Essas bases, que representavam uma radical mudança de política
nacional, eram as seguintes, de forma abreviada:
“a) Evitar,
cuidadosamente, novos compromissos com a NATO (…);
b) Manter as ligações
militares com a Espanha com vista à defesa pirenaica, mas considerando-as mais
como elemento de apoio e reforço da política, que atinentes ao concerto duma
efectiva e eficaz defesa;
c) Aumentar, na medida
do possível, o esforço de Defesa do Ultramar. Realizar este esforço pela
seguinte ordem de prioridade: Guiné, Angola, Moçambique (…);
d) Manter na Índia, em
Macau e em Timor as forças que bastem para assegurar os limitados objectivos
que ali temos (…);
e) Quanto aos
arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, considera-se que, de momento,
não há problemas especiais a enfrentar (…);
f) Intensificar o
esforço militar no Ultramar, procedendo à remodelação da orgânica militar na
Guiné, Angola e Moçambique, de forma a torná-la adequada à guerra subversiva
(…);
g) Intensificar a
contribuição da Força Aérea na defesa do Ultramar (…);
h) Procurar
intensificar a política de colaboração diplomática com os países amigos e
aliados vizinhos em África, a fim de se evitar ou limitar a acção de
infiltração e de premente ameaça que procura subverter as nações ocidentais,
estabelecendo os contactos e as alianças necessárias para a defesa dos
interesses comuns no Ultramar, beneficiando indirectamente a NATO.”
Mas atenção! Estes documentos não traduzem necessariamente
medidas tomadas, eles indicam apenas uma ordem de esforços e a concentração de
meios existentes.
De facto, o orçamento não acompanhou as intenções de mudança.
De qualquer modo, com este conjunto de diplomas, foi criada uma estrutura
prévia, que serviria para o futuro e que, de facto, foi implantada quando a
guerra começou.
……
(5) De facto, ao iniciar-se a década
de 1960, a
percepção da ameaça que pende sobre o Ultramar leva à criação de um centro de
instrução destinado a preparar quadros para as operações de contra-insurreição
(Decreto 42.926, de 16 de Abril de 1960). É, assim, organizado o Centro de Instrução
de Operações Especiais, o qual fica instalado na cidade de Lamego no
aquartelamento do Regimento de Infantaria n.º 9, que é extinto.
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