Este
texto foi publicado na Revista CEPIHS (Centro de Estudos e Promoção da
Investigação Histórica e Social Trás-os-Montes e Alto Douro), nº 4, Moncorvo,
2014, pp. 67-92.
Para
publicação neste blogue e para melhor apresentação vai ser dividido em cinco
partes que publicarei separadamente.
Capa
do relatório sobre o BI 10 existente no AHM |
Parte
1:
Nos primeiros dias de Abril
de 1917 foi recebida pelo Regimento de Infantaria 10 de Bragança, a ordem de
mobilização de um Batalhão.
A 19, estava o Batalhão
pronto para partir. “Grande foi a atividade desenvolvida nestes dias; mal se
dormia com trabalhos que era necessário ultimar e que não podiam ser adiados”.
O comandante interino do
Regimento, major Carlos António Leitão Bandeira (1), mandou publicar na Ordem
de Serviço desse dia o seguinte despacho dirigido aos militares que partiam:
Neste
momento solene que, em cumprimento do vosso dever ides partir para França,
lutar pela defesa do Direito e da Liberdade, crede, soldados, vosso comandante
até hoje, é com bastante pesar que deixo o vosso comando, certo de que em breve
regressareis à vossa terra, ao seio das vossas famílias, com a satisfação do
dever cumprido e depois de terdes mostrado ao mundo inteiro o quanto valem os
soldados de Portugal. E é neste momento de comoção que, usando da competência
que me confere o artigo 134º do Regulamento Disciplinar, vos louvo a todos pelo
espírito de disciplina manifestado, correção e compostura mantida durante o
período de concentração de que toda a cidade foi testemunha, e louvo em
especial os senhores capitães Guilherme Correia de Araújo (2) comandante
interino do 1º Batalhão, Francisco dos Inocentes, tesoureiro do conselho
administrativo, António José Teixeira (3) e Augusto Adriano Pires (4), comandantes
de companhia, alferes José Manuel Chiote (5), Norberto Amâncio Alves (6),
ajudante interino do Batalhão, 1º sargento Tavares, que desempenhou o cargo de
oficial de tiro e armamento, pela leal e ativa cooperação prestada ao Comando
em todos os trabalhos respeitantes a mobilização, inteligência e cumprimento do
dever que manifestaram no desempenho dos serviços a seu cargo.
No dia seguinte, 20 de
Abril de 1917, o Batalhão de Infantaria 10 deixou Bragança, embarcando em dois
comboios – um pelas seis horas da manhã, com as 1ª e 4ª Companhias e outro ao
fim da tarde, com as 2ª e 3ª Companhias.
O efetivo do Batalhão que,
depois de longo percurso e sob o comando do capitão mais antigo, comandante da
1ª Companhia, Carlos Augusto Vergueiro (7), chegava a Lisboa em 22, cerca da
uma hora e que devia ser embarcado no vapor D (Bohemien) era constituído por 30
oficiais, 61 sargentos e 1138 cabos e soldados, num total de 1229 homens.
Foi este o pessoal que
começou a embarcar às 3 horas e 45 minutos, acabando às 7 horas, com a melhor
ordem e disciplina nesse dia 22 de Abril de 1917.
Nestes primeiros
apontamentos sobre a presença do Batalhão de Infantaria 10 de Bragança na
Flandres, como unidade integrante do Corpo Expedicionário Português (C.E.P.)
temos seguido o relatório que o seu último comandante, major António José
Teixeira, escreveu mais tarde, por imposição de uma determinação inserida na
Ordem do Exército nº 4 de 19 de Novembro de 1920 e hoje depositado no Arquivo
Histórico Militar (8).
No prefácio do longo texto
de 244 páginas acompanhadas por croquis e
desenhos sempre que necessário, o autor, como muitas vezes fará, exprime os
seus sentimentos, tanto os que o invadem no momento da escrita, como aqueles
que o acompanharam na hora a hora desta longa, atribulada e trágica estadia em
terras de França.
Cumprindo o seu dever ao
relatar os factos ocorridos com o seu Batalhão, o autor reflete:
Fica-me
também a consolação de concorrer para ser levantado um monumento perdurável a quantos
filhos do Distrito de Bragança deram os seus melhores e maiores esforços ao
triunfo da Causa Mundial e à Glória da Terra Portuguesa.
Vai
nele uma parcela da minha alma de transmontano e de soldado português, que
prestou o mais humilde concurso aos seus irmãos em armas, acompanhando-os
sempre nas venturas e nas desditas, chorando as mesmas lágrimas de saudade e
acalentando as mesmas esperanças de vitória final.
E logo a seguir:
É
uma crónica da ação de Infantaria 10 na Grande Guerra documentada o melhor
possível, para servir de material a alguém que, mais tarde e com a competência
exigida para trabalhos desta ordem, faça a história do movimento que abalou o
mundo inteiro durante anos seguidos de infinita amargura.
Colocado pois, quase cem
anos depois, perante o desafio deste meu camarada de armas, só poderei
deixar-lhe não apenas uma palavra de tranquila compreensão pelo sacrifício que
lhes foi exigido, mas também a certeza de termos retirado lições do exemplo que
nos deram. Sem por isso deixarmos de escrutinar responsabilidades,
comportamentos e obrigações de todos os envolvidos.
A ação de Infantaria 10,
como a ação de outras unidades portuguesas e de centenas de unidades militares
de todo o mundo, está hoje presente no labor de inúmeros historiadores que
tentam compreender e explicar as razões, as formas e os efeitos de um tão longo
e despropositado sacrifício exigido a toda uma geração de jovens, cujos
cadáveres ficaram espalhados pelos intermináveis campos europeus, como símbolo
de poderes incapazes de governarem pelo povo e para o povo. Os cerca de nove
milhões de militares sacrificados, em que se incluem os 53 mortos e os 41
desaparecidos do BI 10, não podem jamais deixar-nos indiferentes, por mais que
a história tenda a ser esquecida!
Este apontamento que aqui
deixo é uma pequena homenagem aos soldados transmontanos, sobretudo da
terra-fria, que outros foram mobilizados por outras unidades, tanto para a
Flandres como para África, como reconhecimento do seu sacrifício e memória de um
tempo de angústia e “infinita amargura”.
……
(1) Carlos António Leitão Bandeira
(1872-1962), coronel, nasceu no concelho de Bragança. Esteve em Angola a partir
de 1906, onde foi capitão-mor do Cuango. Comandou o Regimento de Infantaria 10,
em 1917. Aderiu à revolta monárquica em 1919, vindo a ser preso na Relação do
Porto.
(2) Guilherme Correia de Araújo
(1880-1943), coronel, nasceu em Lamego. Fez parte do C.E.P. embarcando em
Lisboa no dia 22 de Abril de 1917. Tomou parte na Batalha de La Lys,
regressando a Portugal em Maio de 1919. Comandou depois o 3º Batalhão do
Regimento de Infantaria 10.
(3) António
José Teixeira (1879-1963), coronel, nasceu em Bragança. Durante a Grande Guerra
esteve em Angola até final do ano de 1915 e participou no C.E.P., embarcando
para França em Abril de 1917, como oficial do Batalhão de Infantaria 10, que
acabou por comandar. Feito prisioneiro de guerra, regressou a Portugal em
Dezembro de 1918 e desembarcou em Lisboa no dia 3 de Janeiro de 1919. Tomou
parte nas operações contra os monárquicos em Trás-os-Montes. Atingiu o posto de
coronel em 1936.
(4) Augusto Adriano Pires
(1877-1924), capitão, nasceu em Bragança. Fez a maior parte da sua vida militar
em Angola, onde permaneceu, com raros intervalos, desde 1906 a 1916. Colocado
no Regimento de Infantaria 10 em 1916, veio a fazer parte do C.E.P., embarcando
em Lisboa a 22 de Abril de 1917. Ferido e prisioneiro na Batalha de La Lys,
acabou por regressar a Portugal em Maio de 1919. Voltou a Angola em 1919, onde
veio a falecer.
(5) José Manuel Chiote (1873-1939)
nasceu em Freixo de Espada à Cinta. Fez parte do C.E.P., embarcando em Lisboa
em 22 de Abril de 1917. Tomou parte da Batalha de La Lys e foi feito
prisioneiro, tendo regressado a Portugal em Fevereiro de 1919. Colocado no
Regimento de Infantaria 30, passou ao Regimento de Infantaria 10 em 1920.
(6) Norberto Amâncio Alves
(1884-1944) nasceu em Figueira de Castelo Rodrigo. Esteve em Angola na campanha
de 1914-1915, onde participou no combate de Naulila. Fez parte do C.E.P.,
embarcando em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Tomou parte na Batalha de La Lys,
ficando intoxicado com gases. Regressou a Portugal em Agosto de 1918. Tomou
parte nas operações contra os monárquicos em 1919. Voltou a Angola em
1923-1924.
(7) Carlos Augusto Vergueiro
(1865-1936), coronel, nasceu em Bragança. Tomou parte na revolta do 31 de
Janeiro de 1891. Esteve em Angola com a força expedicionária, de 1914 a 1915.
Fez parte do C.E.P., embarcando em Lisboa em 22 de Abril de 1917. Regressou de
França em Abril de 1918. Combateu contra os revoltosos monárquicos no sul do
distrito de Bragança em Fevereiro de 1919. Comandou o 6º Grupo de Metralhadoras
em 1919.
(8) AHM/01/35/Cx1343: António José Teixeira, Infantaria
10 na Flandres. Assinado em 30 de Agosto de 1922. Sempre que neste texto
não for mencionada outra fonte, as transcrições referem-se a este relato.
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