O texto
completo foi publicado no livro Trás-os-Montes
e Alto Douro – Mosaico de Ciência e Cultura. S.l., 2011, pp.259-263.
Coordenação de Armando Palavras.
Esta segunda parte corresponde ao reconhecimento
feito pelo capitão Sobral em 1845, desde o Pocinho até Miranda, com informações
sobre todo o itinerário e as povoações por onde passou.
Parte 2.
O
reconhecimento do itinerário do Pocinho a Miranda efectuado pelo capitão Sobral
em 1845 inseria-se num conjunto de trabalhos relacionados mais com o Plano do
que com a Carta, embora os respectivos relatórios pudessem vir a ter interesse
topográfico. Neves Costa já o tinha referido: “Finalmente concluiremos este
nosso trabalho com algumas considerações relativas a vários melhoramentos da
nossa topografia militar, sem os quais julgamos mui difícil que possam
realizar-se, nem tornar-se verdadeiramente úteis, os trabalhos topográficos,
que para a defesa do Reino queiram ou hajam algum dia de empreender-se”.
Levantando então várias hipóteses relativamente ao avanço do inimigo em
direcção a Lisboa, seu principal objectivo, Neves Costa escreve as seguintes
observações, no que respeita à passagem do Douro, a partir de Trás-os-Montes:
“Se o inimigo, estando de posse da Província de Trás-os-Montes, se resolvesse a
passar o Douro, para penetrar para qualquer fim que seja, no interior da
Província da Beira Alta e Estremadura Portuguesa, e isto, ou do lado de Torre
de Moncorvo, ou do lado de Vila Real e Peso da Régua sobre Lamego, é evidente a
necessidade de conhecermos a margem esquerda do dito Rio, ao menos na
proximidade dos mencionados pontos de passagem; e, a poder ser, desde a foz do
Côa até à foz da ribeira da Póvoa, e mesmo o terreno mais para o interior,
porque sendo ele inteiramente desconhecido, talvez ali se encontrem posições
vantajosas e mui influentes no sistema geral de defesa do Reino”. Ou seja, as
zonas junto do Douro superior, quer na sua margem esquerda, quer mais para o
interior, eram nesta altura inteiramente desconhecidas do ponto de vista
estratégico, tanto na sua topografia, como sob o ponto de vista militar. Urgia
então iniciar os respectivos reconhecimentos. Foi essa a missão do capitão
Sobral, a partir, pelo menos, de 1844.
Sigamos
então as informações do relatório do capitão Sobral. Ele sai da Barca do
Pocinho no dia 2 de Janeiro de 1845, como dissemos, às oito horas da manhã. A
estrada tem a direcção NE-SO e o terreno é montanhoso. O caminho até Moncorvo
faz-se por uma estrada com 28 palmos de largura no início, que diminui para 12
palmos junto da foz do Sabor, chegando-se à dita vila em 124 minutos exactos,
como o relator anota (12). Sobral continua a sua viagem referindo os pontos
notáveis, como subidas, descidas, quintas, ribeiros, entre Moncorvo e Cabeço da
Mua, trajecto em que a estrada tem sempre cerca de 20 palmos de largura. Segue
a meia encosta na Serra de Reboredo, vendo-se à esquerda, um vale com algumas
quintas, que têm oliveiras, amendoeiras e onde se cultivam cereais. A serra tem
duas léguas de extensão. Até Cabeço da Mua passaram-se mais 113 minutos, num
total de 237 minutos desde a saída.
O
reconhecimento segue agora para Carviçais, com passagem por um caminho que vai
para Mós. Carviçais é uma “povoação rica e de importância do concelho de
Moncorvo; tem 295 fogos e recursos de víveres e forragens e alojamento: pode
comodamente alojar 600 homens e 100 cavalos”. Foram mais 60 minutos,
exactamente, uma hora. O itinerário, medido em minutos, já leva 297, quase
cinco horas.
Finalmente,
o caminho segue para Lagoaça. Logo à saída de Carviçais há uma ramificação para
Mogadouro, um mau caminho de quatro léguas, que passa por Estevais, Quinta das
Quebradas, Castelo Branco e Vale de Porco, antes de chegar a Mogadouro. É
claro, poder-se-ia seguir este caminho para Miranda, mas “a estrada do presente
itinerário é sempre preferida”. Ou seja, por Lagoaça é melhor caminho!
No
caminho para Lagoaça passa-se por Fornos, que é uma pequena aldeia a quatro
léguas e meia do Pocinho. Pouco depois surge então Lagoaça, à direita da
estrada, “grande e rica aldeia”, a cinco léguas do início. De Carviçais são
mais 142 minutos, 479 minutos depois da saída do Pocinho.
Sobre
Lagoaça diz o capitão Sobral: “Esta aldeia tem 240 fogos e pertence ao concelho
de Freixo de Espada à Cinta; é povoação moderna e que tem engrandecido pela sua
agricultura e comércio com o Reino vizinho. Tem comodidades para 600 praças e
está situada a meia légua do Douro”.
Depois
de Lagoaça, o itinerário prossegue para Nordeste, com uma ramificação para
Vilarinho (“cabeça duma freguesia de 116 fogos que pertence ao concelho de
Mogadouro, situada a pouca distância do rio Douro”), sendo que, desde o início
até às imediações deste ponto o terreno é de textura xistosa e “deste ponto até
às proximidades de Miranda é o terreno granítico”.
Seguindo
o itinerário, há ramificações à esquerda para a aldeia de Castelo Branco e à
direita para Bruçó, alcançando-se uma portela na serra da Garjopa (?), de onde
se avista a vila de Mogadouro, à esquerda, a cerca de légua e meia. Mogadouro
“tem 160 fogos, é cabeça de concelho e uma das mais antigas vilas do Reino; tem
um castelo arruinado, aonde aparecem ainda os restos do palácio dos antigos
Távoras”.
Há
depois outras ramificações para Vilar de Rei, Vilarinho, Paçó, até chegar a
Vila de Ala, Tó, Brunhosinho e finalmente Sendim, num total de 909 minutos
desde a saída do Pocinho, mais de 15 horas, portanto. Sendim fica já no
concelho de Miranda, sendo “uma grande e rica aldeia (…) muito maior e mais
importante do que a cidade! Tem 225 fogos e além da sua avantajada colheita de
produtos agrícolas, tem grande comércio, e uma importante feira mensal; está a
meia légua do Douro e fronteira a Fermoselho (sic), grande vila espanhola,
d’além Douro”.
O
itinerário prossegue ainda até Miranda, onde se chega após 1.118 minutos de caminho,
ou seja, nada menos que 18 horas e 38 minutos, como anota o capitão Sobral.
Miranda é uma cidade fortificada, mas “está votada à penúria, não possuindo
actualmente senão gloriosas reminiscências da sua antiga grandeza”. Isto tudo
pelas seguintes razões: “A posição (…) fora de estrada alguma seguida; o
abandono em que ficou desde a saída da Mitra, Autoridades e tropa para
Bragança; os seus poucos capitais e nenhuma indústria”.
….
12 As distâncias referidas no relatório
são medidas a pé (as chamadas horas de marcha), embora fosse habitual as
equipas de reconhecimento deslocarem-se a cavalo. O modelo de informação é
comum a outros relatórios de reconhecimento militar.
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