O
texto completo foi publicado no livro Trás-os-Montes
e Alto Douro – Mosaico de Ciência e Cultura. S.l., 2011, pp.259-263.
Coordenação de Armando Palavras.
Esta terceira e última parte faz referência
a outros trabalhos de reconhecimento e de descrição do território nacional
feitos pelo Exército em especial no terceiro quartel do século XIX.
Parte 3:
Ficava
assim reconhecido este itinerário, da Barca do Pocinho a Miranda, com anotações
preciosas sobre o terreno, os obstáculos, as aldeias e vilas e alguns elementos
de natureza militar. Mas o capitão Sobral já efectuara, no ano anterior, um
outro reconhecimento do itinerário de Mesão Frio a Freixo de Espada à Cinta,
numa extensão total de 1.799 minutos, cujo relatório foi assinado em Bragança,
no dia 1 de Dezembro de 1844. Relativamente a Freixo, o capitão assinalava que
a vila tinha 436 fogos, era cabeça de concelho e era “notável pela riqueza e
produção do seu solo, que abunda em azeite, amêndoa, pasto, e todo o género de
frutos que geralmente se colhem em Trás-os-Montes” (13).
Os
reconhecimentos militares do terreno, normalmente a cargo dos engenheiros pertencentes
ao Real Corpo de Engenheiros do Exército nunca deixaram de se fazer, mas a
campanha iniciada na década de 40 do século XIX prosseguiu por toda a década de
50 e para além dela, havendo relatórios até finais dos anos 70. Eles permitiram
um conhecimento mais profundo de Trás-os-Montes e de outras províncias, em
especial das terras mais distantes e menos visitadas. Muitos dos trabalhos
foram aproveitados para a elaboração da Carta Geográfica de Portugal publicada
em 1865, na escala 1/500.000, primeira carta topográfica do território
português, em toda a sua extensão. Ao mesmo tempo, e com início em 1852
elaborava-se a Carta Corográfica (Carta Geral do Reino) na escala 1/100.000. As
suas 37 folhas foram publicadas entre 1862 e 1904. Ambas as Cartas tiveram o
general engenheiro Filipe Folque como principal responsável e impulsionador, em
especial no desempenho das funções de Director Geral dos Trabalhos Geodésicos e
Cartográficos do Reino, entre 1844 e 1871.
Nesta
época, em pleno século XIX, o Exército tinha responsabilidades muito
abrangentes, tanto no que respeitava ao conhecimento do território como das
suas populações e riquezas. Isto justifica que, depois de um longo período de
intensos e prolongados conflitos em que Portugal esteve envolvido na primeira metade
do século, o Exército tivesse necessidade de proceder a um profundo
reconhecimento territorial, o que incluiu, em 1860, um recenseamento
populacional, que antecedeu, em quatro anos, o que seria feito pela
administração pública em 1864, conhecido como o primeiro recenseamento
sistemático da população portuguesa.
A
verdade é que o Exército fez esse trabalho de campo em 1860, do qual elaborou
os respectivos “Mapas Estatísticos”, segundo um modelo único, e com informações
sobre a população, os edifícios, as subsistências, os transportes e as
profissões. Relativamente a Lagoaça existe um “Mapa estatístico da Paróquia de
Lagoaça, concelho de Freixo, distrito administrativo de Bragança” (14). A
povoação tinha 340 fogos, sendo a sua população constituída por 685 homens e
740 mulheres, num total de 1425. Os principais recursos eram constituídos por
(mencionados segundo a ordem do mapa) 5.000 alqueires de trigo e 7.000 de
centeio, 3.000 moios de batata, 400 almudes de vinho e outros 400 de azeite.
Quanto a cabeças de gado havia 190 vacum, 3.700 lanígero, 700 cabrum e 200
suíno. No que respeita a águas, havia três fontes públicas e em relação a
transportes, contavam-se 200 bestas de carga, 40 carros de bois e um barco de
passagem, que podia transportar 12 pessoas. A povoação estava bem servida de
profissões, pois havia cinco alfaiates, seis sapateiros, um chapeleiro, cinco
carpinteiros, dois ferreiros e três ferradores.
Com
os imensos trabalhos de reconhecimento do território levados a efeito pelo
Exército na década de 40 e em toda a segunda metade do século XIX, Portugal
tornou-se mais conhecido e bem podemos recordar o que o general Neves Costa
afirmava no seu relatório de 1841: “Depois que, pelas precedentes diversas
considerações, tivermos reconhecido em geral alguns dos terrenos cuja
topografia deve interessar à nossa defesa, e que por isso hajam de entrar a
formar parte da indicação do que temos de fazer, passaremos então a examinar
quais sejam as direcções de ataques mais ou menos prováveis, e que possam ter
lugar contra o nosso País; e por consequência, quais sejam os terrenos que,
nessas direcções, mais particularmente pareçam interessar e cujo exame e
conhecimento topográfico se torne por tal motivo necessário, para esclarecer
quaisquer dúvidas ou confirmar quaisquer opiniões que acerca do futuro e
definitivo Plano de Defesa do Reino possam suscitar-se a respeito dos
sobreditos terrenos cuja indicação satisfará igualmente ao fim especial do
trabalho de que fomos encarregados” (15).
Carta Geográfica de Portugal, 1:500000, publicada sob a direção de Filipe Folque em 1865. |
......
13 Belchior José Garcês Sobral, Reconhecimento do itinerário de Mesão Frio a
Freixo de Espada à Cinta, 1844 (AHM, cota 3/1/18/7).
14 Ver o original no AHM, cota
3/1/70/44.
15 José Maria das Neves Costa, Idem.
não há dúvida, este reino é obra de militares.
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