Esta parte do texto sobre o RI 10 na Grande Guerra respeita à sua viagem desde Lisboa até às linhas da frente, na Flandres.
Parte
2:
Sigamos pois o Bohemien,
que já vai no alto mar.
Na
Biscaia temos temporal. O rude serrano, que nunca havia sentido o desusado
baloiço produzido pela borrasca, que não sabia o que era um mar de procela,
assusta-se, mas os seus oficiais estavam ali para lhes gritar, como os capitães
da maruja que partia às descobertas: não há perigo, é o mar que treme de nós!
Finalmente, a 26 de Abril,
a viagem termina em Brest e às 18 horas já o BI 10 está na gare a fim de partir
de comboio para a viagem que os seus camaradas antes chegados e outros que
virão a seguir farão através do Norte de França em direção à Flandres, onde uma
pequena parcela de alguns quilómetros da longa frente (mais de 700 quilómetros,
entre o mar e a fronteira suíça) estava destinada aos portugueses.
A descrição do major
António José Teixeira desta viagem através dos campos da Bretanha e Normandia
está repleta de lembranças e notas históricas sobre cada região atravessada
nessa primeira viagem, ao longo de mais de 700 quilómetros de Brest a Saint
Omer, nas proximidades de Calais. Os soldados portugueses olham, pasmados, as
paisagens e as cidades que aparecem e desaparecem do seu horizonte, merecendo
menção Rennes, Mayenne, Alençon, Evreux, Rouen, Amiens, Abbeville, Étaples,
Boulogne-sur-mer, Calais e Saint-Omer. A partir daqui a coluna militar segue a
pé, passando por Wizernes e chegando aos seus destinos no dia 28 de Abril, em
Becourt, onde monta o primeiro acantonamento.
Só a 28 de Junho, dois
meses depois, o Batalhão segue para Ecques, aproximando-se da frente. Neste
período, assim como nos dois meses seguintes, até ao início de Setembro, os
homens recebem instrução em várias escolas (tiro, armamento, gases de combate, esgrima,
trincheiras, metralhadoras, patrulhas, observação, saúde, comunicações, etc.).
O dia 28 de Junho fica também tristemente assinalado pela ocorrência das
primeiras duas mortes, por acidente, de soldados do Batalhão (1).
Soa,
enfim, a hora de o Batalhão avançar para a frente, e em 11 de Setembro
deslocam-se a 1ª e 2ª Companhia para Essars, a 3ª e 4ª, e bem assim o E.M. e
Menor do Batalhão, para Le Touret. (…) a viagem fez-se em camiões guiados por
soldados ingleses e pela estrada de Bethune.
Em
14, depois de alguns reconhecimentos feitos pelos oficiais, o Batalhão ocupou,
sem responsabilidades de comando, os subsectores de Festubert e Givanchi, no
sector de La Bassée.
Os
ingleses receberam o português em festa, e a boa vontade dos nossos em bem
cumprir e o desejo de aprender admirava notavelmente o oficial inglês, em
especial os comandos superiores, de cuja boca se ouvia repetidas vezes ‘que o
soldado português era excelente’. Ali iniciaram a aprendizagem nos serviços de
patrulha, ronda, snipers, observadores, reparadores de trincheiras, etc. etc.,
adestrando-se em todos os serviços, com inegável perícia, até ao dia 17 de
Setembro de 1917.
Logo a 23 de Setembro o
Batalhão parte para Paradis-Nort e depois para Sailly-sur-la Lys. O autor do
nosso relato vai dando conta das paisagens, das mudanças, do estado das
culturas, mas também do movimento de colunas militares e dos sentimentos que
invadem os soldados nesta marcha.
Ao chegar a Sailly,
verifica que “os aeroplanos no seu rom-rom monótono, na sua exploração
quotidiana, dirigem-se para a frente numa correria vertiginosa, ora adotando a
formação em cunha ou escalão, ora o dispositivo em losango ou xadrez”.
Mais adiante, o espetáculo
aéreo, que se vai tornando importante à medida que a guerra prossegue,
impressiona todos os que nunca poderiam imaginar os progressos desta nova
dimensão do teatro de operações:
Lá
surge no horizonte uma esquadrilha inimiga, voando a bastante altura… as
baterias antiaéreas fazem-lhe um tiro de barragem intenso e perseguem-na…
distrai-nos o rebentamento de dezenas de granadas ao deixarem na atmosfera os
seus novelos de fumo branco, que se evolam com as nossas mil conjeturas a
propósito do aspeto interessante que a guerra a cada momento nos apresenta!
Tudo impressiona os soldados
transmontanos, transplantados da sua pacata terra natal para este frenesim de
matança, que contemplam espantados. Não podem nesta hora refletir sobre as
razões que os levaram para tão longe, nem estão em condições de julgar o que
motivou tão colossal concentração bélica. Sabem apenas que estão prestes a
tomar parte nesta imensa batalha, onde terão em risco permanente a sua vida.
O relato dá-nos ideia do
quadro que se desenrola à frente de todo o Batalhão:
Intermináveis
comboios de camiões fazem encostar, à direita, os nossos soldados que vão
marchando aprumados e altivos… agora, passam ajoujados de tropas, para logo a
seguir surgirem carregados de víveres ou material!
As
auto-ambulâncias também não cessam no seu vaivém, na sua missão dolorosa de
conduzir feridos dos postos de socorros para os hospitais…
A
artilharia entretanto troveja, ali bem perto de nós… as granadas, sibilando
duma forma enervante cortam os ares e… lá vão! Duelo terrível, formidável o que
se ouve!... Monstros de ferro partem à procura de mais algumas vítimas.
É
a grande carnificina!
O
inimigo riposta e o interminável duelo continua…
……
[1]
Eduardo Alves, de Lamas de
Orelhão e Francisco Augusto de Sobreiró, Vinhais.