sábado, 17 de junho de 2017

HISTÓRIA DE UM LIVRO: PORTUGAL E A GRANDE GUERRA



Em abril de 2015, o Instituto de Defesa Nacional organizou um Workshop sobre o tema “Os Poderes dos Pequenos e Médios Estados na Grande Guerra: Comparação Portugal – Brasil”. Eu e o Carlos de Matos Gomes fomos convidados a apresentar uma comunicação, como autores do livro “Portugal e a Grande Guerra”, sobre o qual nos propusemos falar. Aceite a proposta pelos organizadores, explicámos o percurso editorial do livro, desde o seu planeamento até à sua última edição, naquilo que podemos considerar um percurso de sucesso.

O texto foi depois publicado na revista “Nação e Defesa” do Instituto de Defesa Nacional, nº 145, de 2016, pp. 24-32.

Deixo aqui o essencial do texto então apresentado.

  

1.  Introdução

Em 2003 publicámos o livro Portugal e a Grande Guerra, edição do Diário de Notícias. No texto de apresentação da obra, começámos por escrever o seguinte:

“A Grande Guerra, depois conhecida como Primeira Guerra Mundial, deflagrou na Europa nos primeiros dias de Agosto de 1914 e só terminou com a assinatura do Armistício, em 11 de Novembro de 1918.

Iniciada pela invasão da Bélgica pelas tropas da Alemanha, na convicção de uma campanha curta, a guerra só viria a parar cinquenta e dois meses depois, com 65 milhões de homens mobilizados, oito milhões e meio de mortos, 20 milhões de feridos, milhares e milhares de prisioneiros e desaparecidos. Só parou com o esgotamento de recursos, a destruição das cidades, a desolação dos campos e um imenso sofrimento. Estendeu-se dos campos da Flandres a todo o mundo. Da Europa ao Médio Oriente; da África ao Extremo Oriente; da América a todos os espaços marítimos. Todos os povos sofreram, beligerantes ou não, para que um mundo, supostamente novo, fosse edificado em cima de uma imensa dimensão de dor.

A Grande Guerra demonstrou como era frágil a ordem internacional, baseada no equilíbrio de poderes e na rede de alianças tecida por uma complexa e intrincada matriz de relações entre as nações.

O campo de batalha modificou-se. O mundo percebeu a sua nova dimensão. Passámos todos a ser vizinhos.”

A ideia de publicar este livro surgiu na sequência da anterior obra da nossa autoria, também publicada pelo Diário de Notícias em 1997, com o título de Guerra Colonial.

Foi em Julho de 1995 que apresentámos ao Diário de Notícias um projeto para publicação de uma obra sobre a Guerra Colonial, em fascículos. Logo em 25 de Setembro assinámos o respetivo contrato. A publicação iniciou-se no dia 5 de Outubro de 1997 e terminou um ano depois, com 52 fascículos semanais, com uma tiragem de cerca de 30.000 exemplares distribuídos gratuitamente com o jornal, às quintas-feiras. Nessa época, a publicação excedeu as expectativas que todos tínhamos, chegando a influenciar a estatística de vendas do jornal.

Foi a partir deste projeto que pensámos abordar, através de uma obra de referência, cada um dos três conflitos contemporâneos de Portugal: Guerra Colonial, Grande Guerra e Guerra Peninsular. E embora a abordagem da Guerra Peninsular não viesse a concretizar-se, essa ideia geral levou-nos a apresentar nova proposta ao Diário de Notícias, focando agora a Grande Guerra e a participação portuguesa, proposta datada de Fevereiro de 2001. O contrato foi assinado em Setembro desse ano. A publicação dos fascículos estendeu-se de Abril de 2003 a Abril de 2004, sendo o modelo em tudo semelhante ao da Guerra Colonial.

Capa da edição em fascículos, Diário de Notícias, 2003-2004.



2.  A proposta

No texto da proposta ao Diário de Notícias, definíamos assim o público destinatário do livro: “A obra destina-se ao público em geral, assumindo o carácter de divulgação, e nunca de tese. Embora não existindo já a geração que participou na Guerra, as consequências para a História Contemporânea continuam a ser extensas, e a geração da guerra colonial, bem como a geração mais jovem, não deixará de se interessar pela guerra dos seus avós”. Deveria pois ser um “trabalho rigoroso, didático, apelativo, valorizando-se a descrição, a explicação e a imagem”.

Desde logo nos sentimos obrigados a concretizar o nosso plano, propondo uma organização baseada em grandes capítulos, por um lado, e num conjunto de temas específicos, a tratar em paralelo.

Os grandes capítulos, com os diversos assuntos, seriam os seguintes:

1.   POLÍTICA GERAL

a.   Antecedentes da Guerra
b.   Tensões na Europa
c.   O Mundo e o poder militar
d.   A questão colonial
e.   Causas próximas
f.    Sistema de alianças
g.   Mobilizações
h.   Neutralidade belga
i.     Alemanha: duas frentes
j.     Intervenção britânica em França
k.   Entrada dos Estados Unidos na Guerra
l.     A revolução russa
m. Os problemas internos dos impérios centrais
n.   Armistício e Conferência de Paz
o.   Marcas da Guerra para o século XX

E justificando a nossa opção, esclarecíamos: “Este articulado permitirá que a situação internacional seja estudada e acompanhada ao longo dos fascículos, visando explicar como o mundo era no início da guerra, como se comportou e transformou ao longo do conflito e como ficou no pós-guerra. Neste capítulo serão naturalmente referidos os países com posições preponderantes no conflito, mas não deixarão de se mencionar todos aqueles que, pela sua vizinhança com Portugal (p.e. Espanha) ou pelo papel pontual que assumiram se tenham tornado importantes, em determinados contextos (p.e. Balcãs, Império Otomano, etc.)”.

2.   POLÍTICA NACIONAL

a.   Afirmação internacional da República – posição face à Espanha
b.   A dependência britânica e a questão colonial, face às ambições alemãs
c.   Da República à Guerra: quatro anos difíceis
d.   Posições das várias correntes políticas perante a Guerra
e.   A neutralidade do período 1914 a 1916
f.    Os pedidos franceses da artilharia portuguesa
g.   Desinteresse britânico na beligerância portuguesa
h.   A guerra em Angola e Moçambique: opções político-militares
i.     O Governo Pimenta de Castro e a Guerra – desmobilização da Divisão Auxiliar
j.     O significado do 14 de Maio de 1915 em relação à Guerra
k.   A questão dos navios alemães e austríacos nos portos portugueses – a declaração de guerra
l.     Negociações militares com a Grã-Bretanha e a França
m. A “frente” interna e a Guerra – resistências à política de intervenção na Europa
n.   Reflexos da luta política interna no seio do CEP
o.   O Sidonismo e a Guerra
p.   Novas convenções luso-britânicas
q.   Dificuldades nos recompletamentos de pessoal
r.    O papel dos Açores
s.   O Armistício e a participação portuguesa na Conferência de Paz
t.    Balanço da participação portuguesa na Guerra

E seguiam as justificações: “Neste capítulo, também tratado ao longo dos fascículos, de forma articulada com a situação internacional, procurar-se-á acompanhar a situação política portuguesa, em especial na sua relação com as questões militares e com a participação na guerra, tanto nos teatros coloniais como na Europa”.

3.   QUESTÕES MILITARES GERAIS (DOUTRINAS, TÁCTICAS, TEATROS DE OPERAÇÕES, BATALHAS)

a.   Doutrinas e planos militares – uma guerra curta e fulminante
b.   Primeiras operações – mapas da guerra
c.   O fogo vence o movimento. Estabilização das frentes
d.   Guerra das trincheiras
e.   Principais teatros de operações. Mapas e evolução
f.    A guerra em África. Operações nas colónias portuguesas
g.   Frente Ocidental – Organização do campo de batalha; linhas e organização do terreno
h.   Frente Ocidental – Batalhas principais, antes da chegada do CEP a França
i.     Guerra no mar – importância dos submarinos
j.     Os primeiros passos da guerra aérea
k.   Guerra química
l.     Informação e contrainformação
m. Ações de reconhecimento
n.   Operações ofensivas
o.   Operações defensivas

Especificando as razões: “Procura-se, com este capítulo, analisar e explicar as principais questões militares que se prendem com a manobra, refletindo sobre a evolução prática dos princípios de aplicação das forças e das características dos campos de batalha. Integram-se alguns aspetos de atuação das forças portuguesas”.

4.   ORGANIZAÇÃO MILITAR – ASPECTOS GERAIS (ORGÂNICA, INSTRUÇÃO, ARMAMENTO, LOGÍSTICA, COMUNICAÇÕES, ETC.)

a.   Novas armas
b.   Sistemas de transporte
c.   Comunicações
d.   Indústrias de guerra
e.   A reorganização militar de 1911 em Portugal
f.    O Exército Português em 1914
g.   A Marinha Portuguesa em 1914
h.   Primeiras medidas militares visando a intervenção
i.     Angola e Moçambique – mobilização, organização e equipamento das expedições
j.     Rearmamento do Exército e da Marinha
k.   Preparação de uma Grande Unidade para a frente ocidental
l.     Instrução no Exército Português –  o “milagre” de Tancos
m. Organização, fardamento e equipamento do CEP
n.   Transporte do CEP para França
o.   Instalação e instrução em território francês
p.   O caso específico da artilharia portuguesa
q.   Reorganização do CEP a duas Divisões
r.    Dados estatísticos gerais e relativos às tropas portuguesas – mortos, feridos, prisioneiros, etc.
s.   Progressos tecnológicos resultantes da guerra

Justificando: “Neste capítulo far-se-á uma comparação histórica da organização das principais forças em presença, com especial desenvolvimento dos aspetos que respeitam às forças portuguesas, tanto do CEP, como das expedições coloniais”.

5.   O CEP E A BATALHA DE LA LYS

a.   Entrada do CEP em sector. Mapas e evolução. Primeiros combates.
b.   Movimento de rotação nas linhas
c.   Justiça e disciplina. Problemas disciplinares de natureza coletiva
d.   Informação e contrainformação
e.   Antecedentes da batalha de La Lys. O plano alemão
f.    Situação do CEP nas vésperas do ataque alemão
g.   O 9 de Abril
h.   Prisioneiros de guerra
i.     Desmantelamento do CEP depois da La Lys
j.     Últimas ações

Ou seja: “Este será um dos capítulos centrais da obra, abordado ao longo dos fascículos, focando especialmente o Corpo Expedicionário Português, no que respeita à ação militar propriamente dita”.

A estes capítulos principais juntar-se-iam outros cuja abordagem se tornava indispensável a uma obra de referência, organizados da seguinte forma:

6.   “A SOCIEDADE E A GUERRA
a.   Da “Nação em Armas” à “Nação em Guerra”
b.   As “Retaguardas”
c.   A sociedade portuguesa e a guerra – apoios e resistências
d.   Propaganda e contrapropaganda
e.   A imprensa e a guerra – reportagens e artigos de opinião
f.    Notícias da guerra
g.   Economia de guerra
h.   Arte e literatura de guerra
i.     A sociedade portuguesa no pós-guerra

7.   PROTAGONISTAS DA GUERRA
Pequenas biografias de figuras políticas e militares destacadas, nacionais e estrangeiras

8.   QUOTIDIANOS E DIVERSOS
a.   Atividade diária nas linhas
b.   Alimentação e higiene
c.   O apoio sanitário
d.   Correspondência e censura
e.   Visitas e cerimónias
f.    Heroísmos e anti-heroísmos
g.   O fuzilado português
h.   Organizações femininas de apoio
i.     Recuperação de mutilados e gaseados
j.     Cartas da frente
k.   Poesias e canções das trincheiras
l.     Os “estaminets”
m. O “falar francês”
n.   Regresso das frentes de combate
o.   Mortos em combate: cemitérios e monumentos
p.   Memórias de guerra

9.   CRONOLOGIA DA GUERRA”.

        Para além da estrutura de capítulos proposta, era nossa intenção abordar os seguintes temas, por forma a completar a informação referida: “Origens e justificações da guerra”, “Estratégia portuguesa e a sua participação na guerra”, “A guerra em Angola”, “A guerra em Moçambique”, “O Sidonismo e a guerra” e finalmente “A Grande Guerra, hoje”.

        Terminada a apresentação do plano que nos propúnhamos desenvolver, passámos à indicação da equipa de autores já então contactados, comentando para cada um, o seu curriculum e as seus méritos:

1. Autores do projeto e coordenadores - Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes.
2. Colaboradores principais – David Martelo, Luís Alves de Fraga e Nuno Santa Clara Gomes.
3. Outros colaboradores: António José Telo, António Ventura, Ernesto Castro Leal, Hipólito da la Torre Gomez, João Vieira Borges e Marília Guerreiro.


3.  A obra e as suas edições

De uma forma geral o projeto foi seguido à risca. No final, a obra apresentou-se ao público nos 52 fascículos referidos e com as seguintes características: 624 páginas, 146 textos principais, 684 imagens, 70 infografias, 80 tabelas/quadros, 94 citações de protagonistas na margem da página, 46 pequenas biografias, 23 extratextos (alguns deles de homenagem a alguns países, como a Bélgica, França, Austrália-Nova Zelândia, Canadá, mas também à África do Sul, Grécia e Índia) e 20 quadros cronológicos.

Esta 1ª edição foi distribuída com o jornal Diário de Notícias, numa tiragem que rondou os 35.000 exemplares (no jornal calculava-se que tivessem sido encadernado 20% dos exemplares distribuídos e cujas coleções foram depois completadas na respetiva loja ou por encomenda).

Mais tarde, em 2010, constatando que a edição do Diário de Notícias estava completamente esgotada, aceitámos fazer uma nova edição com a editora QuidNovi, com características um pouco diferentes, embora com o mesmo texto. E passados três anos, em Dezembro de 2013, já antecipando a evocação do centenário da Grande Guerra, a editora, agora sob a chancela da Verso da História, fez a sua 2ª edição, a qual integrou uma edição especial de 500 exemplares numerados e assinados pelos autores.

Capa da edição da Verso da História, 2013.

O lançamento desta última edição foi feito no Forte do Bom Sucesso, em Lisboa, afeto à Liga dos Combatentes.
(…)
Por fim, e retomando a obra inicial, Portugal e a Grande Guerra, a editora Verso da História, já em 2014, e no sentido de evocar o centenário do início da Guerra, preparou uma nova edição, em seis pequenos livros de 108 páginas cada um, distribuídos com o jornal Público, com uma tiragem de 4.000 exemplares.

Capa do último livro da edição de 2014.


4.  Em conclusão

Não queremos deixar de dar testemunho do interesse que neste período de evocação da Grande Guerra tem havido nas Escolas pelo estudo deste acontecimento e também do facto de este nosso livro estar a ser utilizado, em muitas delas, como base do ensino deste tema.
Na última Escola em que estivemos, a Escola Secundária Leal da Câmara, em Rio de Mouro, o tema estava integrado no projeto da Escola, havia uma exposição sobre a Guerra, um conjunto de professores interessados, alunos que faziam perguntas e dois livros eleitos como base do projeto: A Oeste Nada de Novo de Erich Maria Remarque e o Portugal e a Grande Guerra.
Terminamos, com uma breve passagem do nosso texto de apresentação da obra, que consta em todas as edições: “Seguimos o conflito passo a passo, frente a frente, batalha após batalha. Passamos os olhos pelas sociedades, pelos exércitos, pelos teatros de operações, pelas lutas de bastidores, pelos primórdios de novas formas de intervenção. Pesquisamos os campos de batalha, os quotidianos, os gabinetes dos estados-maiores e dos poderes políticos. Procuramos observar as novidades da tecnologia, as novidades da persuasão, a inesperada novidade de um mundo à escala de uma única guerra.

Situamos Portugal neste contexto. Seguimos, passo a passo, os seus passos em direção à beligerância. As polémicas da sua participação. As feridas sobreviventes.

Este nosso trabalho é um contributo. Temos a ideia de que fazia falta. Assim ele possa suscitar a reflexão que a Grande Guerra, como todas as guerras, merece”.



Sem comentários:

Enviar um comentário