quinta-feira, 27 de outubro de 2016

NOTAS SOBRE UM RECONHECIMENTO MILITAR EM 1845


O texto completo foi publicado no livro Trás-os-Montes e Alto Douro – Mosaico de Ciência e Cultura. S.l., 2011, pp.259-263. Coordenação de Armando Palavras.

Esta terceira e última parte faz referência a outros trabalhos de reconhecimento e de descrição do território nacional feitos pelo Exército em especial no terceiro quartel do século XIX.


Parte 3:

Ficava assim reconhecido este itinerário, da Barca do Pocinho a Miranda, com anotações preciosas sobre o terreno, os obstáculos, as aldeias e vilas e alguns elementos de natureza militar. Mas o capitão Sobral já efectuara, no ano anterior, um outro reconhecimento do itinerário de Mesão Frio a Freixo de Espada à Cinta, numa extensão total de 1.799 minutos, cujo relatório foi assinado em Bragança, no dia 1 de Dezembro de 1844. Relativamente a Freixo, o capitão assinalava que a vila tinha 436 fogos, era cabeça de concelho e era “notável pela riqueza e produção do seu solo, que abunda em azeite, amêndoa, pasto, e todo o género de frutos que geralmente se colhem em Trás-os-Montes” (13).
Os reconhecimentos militares do terreno, normalmente a cargo dos engenheiros pertencentes ao Real Corpo de Engenheiros do Exército nunca deixaram de se fazer, mas a campanha iniciada na década de 40 do século XIX prosseguiu por toda a década de 50 e para além dela, havendo relatórios até finais dos anos 70. Eles permitiram um conhecimento mais profundo de Trás-os-Montes e de outras províncias, em especial das terras mais distantes e menos visitadas. Muitos dos trabalhos foram aproveitados para a elaboração da Carta Geográfica de Portugal publicada em 1865, na escala 1/500.000, primeira carta topográfica do território português, em toda a sua extensão. Ao mesmo tempo, e com início em 1852 elaborava-se a Carta Corográfica (Carta Geral do Reino) na escala 1/100.000. As suas 37 folhas foram publicadas entre 1862 e 1904. Ambas as Cartas tiveram o general engenheiro Filipe Folque como principal responsável e impulsionador, em especial no desempenho das funções de Director Geral dos Trabalhos Geodésicos e Cartográficos do Reino, entre 1844 e 1871.
Nesta época, em pleno século XIX, o Exército tinha responsabilidades muito abrangentes, tanto no que respeitava ao conhecimento do território como das suas populações e riquezas. Isto justifica que, depois de um longo período de intensos e prolongados conflitos em que Portugal esteve envolvido na primeira metade do século, o Exército tivesse necessidade de proceder a um profundo reconhecimento territorial, o que incluiu, em 1860, um recenseamento populacional, que antecedeu, em quatro anos, o que seria feito pela administração pública em 1864, conhecido como o primeiro recenseamento sistemático da população portuguesa.
A verdade é que o Exército fez esse trabalho de campo em 1860, do qual elaborou os respectivos “Mapas Estatísticos”, segundo um modelo único, e com informações sobre a população, os edifícios, as subsistências, os transportes e as profissões. Relativamente a Lagoaça existe um “Mapa estatístico da Paróquia de Lagoaça, concelho de Freixo, distrito administrativo de Bragança” (14). A povoação tinha 340 fogos, sendo a sua população constituída por 685 homens e 740 mulheres, num total de 1425. Os principais recursos eram constituídos por (mencionados segundo a ordem do mapa) 5.000 alqueires de trigo e 7.000 de centeio, 3.000 moios de batata, 400 almudes de vinho e outros 400 de azeite. Quanto a cabeças de gado havia 190 vacum, 3.700 lanígero, 700 cabrum e 200 suíno. No que respeita a águas, havia três fontes públicas e em relação a transportes, contavam-se 200 bestas de carga, 40 carros de bois e um barco de passagem, que podia transportar 12 pessoas. A povoação estava bem servida de profissões, pois havia cinco alfaiates, seis sapateiros, um chapeleiro, cinco carpinteiros, dois ferreiros e três ferradores.
        Com os imensos trabalhos de reconhecimento do território levados a efeito pelo Exército na década de 40 e em toda a segunda metade do século XIX, Portugal tornou-se mais conhecido e bem podemos recordar o que o general Neves Costa afirmava no seu relatório de 1841: “Depois que, pelas precedentes diversas considerações, tivermos reconhecido em geral alguns dos terrenos cuja topografia deve interessar à nossa defesa, e que por isso hajam de entrar a formar parte da indicação do que temos de fazer, passaremos então a examinar quais sejam as direcções de ataques mais ou menos prováveis, e que possam ter lugar contra o nosso País; e por consequência, quais sejam os terrenos que, nessas direcções, mais particularmente pareçam interessar e cujo exame e conhecimento topográfico se torne por tal motivo necessário, para esclarecer quaisquer dúvidas ou confirmar quaisquer opiniões que acerca do futuro e definitivo Plano de Defesa do Reino possam suscitar-se a respeito dos sobreditos terrenos cuja indicação satisfará igualmente ao fim especial do trabalho de que fomos encarregados” (15).

Carta Geográfica de Portugal, 1:500000,
publicada sob a direção de Filipe Folque em 1865.













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13 Belchior José Garcês Sobral, Reconhecimento do itinerário de Mesão Frio a Freixo de Espada à Cinta, 1844 (AHM, cota 3/1/18/7).
14 Ver o original no AHM, cota 3/1/70/44.
15 José Maria das Neves Costa, Idem.


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