segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O BATALHÃO DE INFANTARIA 10 NA GRANDE GUERRA


Esta parte do texto sobre o RI 10 na Grande Guerra respeita à sua viagem desde Lisboa até às linhas da frente, na Flandres.


Parte 2:

Sigamos pois o Bohemien, que já vai no alto mar.
Na Biscaia temos temporal. O rude serrano, que nunca havia sentido o desusado baloiço produzido pela borrasca, que não sabia o que era um mar de procela, assusta-se, mas os seus oficiais estavam ali para lhes gritar, como os capitães da maruja que partia às descobertas: não há perigo, é o mar que treme de nós!
Finalmente, a 26 de Abril, a viagem termina em Brest e às 18 horas já o BI 10 está na gare a fim de partir de comboio para a viagem que os seus camaradas antes chegados e outros que virão a seguir farão através do Norte de França em direção à Flandres, onde uma pequena parcela de alguns quilómetros da longa frente (mais de 700 quilómetros, entre o mar e a fronteira suíça) estava destinada aos portugueses.
A descrição do major António José Teixeira desta viagem através dos campos da Bretanha e Normandia está repleta de lembranças e notas históricas sobre cada região atravessada nessa primeira viagem, ao longo de mais de 700 quilómetros de Brest a Saint Omer, nas proximidades de Calais. Os soldados portugueses olham, pasmados, as paisagens e as cidades que aparecem e desaparecem do seu horizonte, merecendo menção Rennes, Mayenne, Alençon, Evreux, Rouen, Amiens, Abbeville, Étaples, Boulogne-sur-mer, Calais e Saint-Omer. A partir daqui a coluna militar segue a pé, passando por Wizernes e chegando aos seus destinos no dia 28 de Abril, em Becourt, onde monta o primeiro acantonamento.
Só a 28 de Junho, dois meses depois, o Batalhão segue para Ecques, aproximando-se da frente. Neste período, assim como nos dois meses seguintes, até ao início de Setembro, os homens recebem instrução em várias escolas (tiro, armamento, gases de combate, esgrima, trincheiras, metralhadoras, patrulhas, observação, saúde, comunicações, etc.). O dia 28 de Junho fica também tristemente assinalado pela ocorrência das primeiras duas mortes, por acidente, de soldados do Batalhão (1).
Soa, enfim, a hora de o Batalhão avançar para a frente, e em 11 de Setembro deslocam-se a 1ª e 2ª Companhia para Essars, a 3ª e 4ª, e bem assim o E.M. e Menor do Batalhão, para Le Touret. (…) a viagem fez-se em camiões guiados por soldados ingleses e pela estrada de Bethune.
Em 14, depois de alguns reconhecimentos feitos pelos oficiais, o Batalhão ocupou, sem responsabilidades de comando, os subsectores de Festubert e Givanchi, no sector de La Bassée.
Os ingleses receberam o português em festa, e a boa vontade dos nossos em bem cumprir e o desejo de aprender admirava notavelmente o oficial inglês, em especial os comandos superiores, de cuja boca se ouvia repetidas vezes ‘que o soldado português era excelente’. Ali iniciaram a aprendizagem nos serviços de patrulha, ronda, snipers, observadores, reparadores de trincheiras, etc. etc., adestrando-se em todos os serviços, com inegável perícia, até ao dia 17 de Setembro de 1917.
Logo a 23 de Setembro o Batalhão parte para Paradis-Nort e depois para Sailly-sur-la Lys. O autor do nosso relato vai dando conta das paisagens, das mudanças, do estado das culturas, mas também do movimento de colunas militares e dos sentimentos que invadem os soldados nesta marcha.
Ao chegar a Sailly, verifica que “os aeroplanos no seu rom-rom monótono, na sua exploração quotidiana, dirigem-se para a frente numa correria vertiginosa, ora adotando a formação em cunha ou escalão, ora o dispositivo em losango ou xadrez”.
Mais adiante, o espetáculo aéreo, que se vai tornando importante à medida que a guerra prossegue, impressiona todos os que nunca poderiam imaginar os progressos desta nova dimensão do teatro de operações:
Lá surge no horizonte uma esquadrilha inimiga, voando a bastante altura… as baterias antiaéreas fazem-lhe um tiro de barragem intenso e perseguem-na… distrai-nos o rebentamento de dezenas de granadas ao deixarem na atmosfera os seus novelos de fumo branco, que se evolam com as nossas mil conjeturas a propósito do aspeto interessante que a guerra a cada momento nos apresenta!
Tudo impressiona os soldados transmontanos, transplantados da sua pacata terra natal para este frenesim de matança, que contemplam espantados. Não podem nesta hora refletir sobre as razões que os levaram para tão longe, nem estão em condições de julgar o que motivou tão colossal concentração bélica. Sabem apenas que estão prestes a tomar parte nesta imensa batalha, onde terão em risco permanente a sua vida.
O relato dá-nos ideia do quadro que se desenrola à frente de todo o Batalhão:
Intermináveis comboios de camiões fazem encostar, à direita, os nossos soldados que vão marchando aprumados e altivos… agora, passam ajoujados de tropas, para logo a seguir surgirem carregados de víveres ou material!
As auto-ambulâncias também não cessam no seu vaivém, na sua missão dolorosa de conduzir feridos dos postos de socorros para os hospitais…
A artilharia entretanto troveja, ali bem perto de nós… as granadas, sibilando duma forma enervante cortam os ares e… lá vão! Duelo terrível, formidável o que se ouve!... Monstros de ferro partem à procura de mais algumas vítimas.
É a grande carnificina!
O inimigo riposta e o interminável duelo continua…


……


[1] Eduardo Alves, de Lamas de Orelhão e Francisco Augusto de Sobreiró, Vinhais.

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