domingo, 23 de outubro de 2016

NOTAS SOBRE UM RECONHECIMENTO MILITAR EM 1845


O texto completo foi publicado no livro Trás-os-Montes e Alto Douro – Mosaico de Ciência e Cultura. S.l., 2011, pp.259-263. Coordenação de Armando Palavras.

Esta segunda parte corresponde ao reconhecimento feito pelo capitão Sobral em 1845, desde o Pocinho até Miranda, com informações sobre todo o itinerário e as povoações por onde passou.


Parte 2.

O reconhecimento do itinerário do Pocinho a Miranda efectuado pelo capitão Sobral em 1845 inseria-se num conjunto de trabalhos relacionados mais com o Plano do que com a Carta, embora os respectivos relatórios pudessem vir a ter interesse topográfico. Neves Costa já o tinha referido: “Finalmente concluiremos este nosso trabalho com algumas considerações relativas a vários melhoramentos da nossa topografia militar, sem os quais julgamos mui difícil que possam realizar-se, nem tornar-se verdadeiramente úteis, os trabalhos topográficos, que para a defesa do Reino queiram ou hajam algum dia de empreender-se”. Levantando então várias hipóteses relativamente ao avanço do inimigo em direcção a Lisboa, seu principal objectivo, Neves Costa escreve as seguintes observações, no que respeita à passagem do Douro, a partir de Trás-os-Montes: “Se o inimigo, estando de posse da Província de Trás-os-Montes, se resolvesse a passar o Douro, para penetrar para qualquer fim que seja, no interior da Província da Beira Alta e Estremadura Portuguesa, e isto, ou do lado de Torre de Moncorvo, ou do lado de Vila Real e Peso da Régua sobre Lamego, é evidente a necessidade de conhecermos a margem esquerda do dito Rio, ao menos na proximidade dos mencionados pontos de passagem; e, a poder ser, desde a foz do Côa até à foz da ribeira da Póvoa, e mesmo o terreno mais para o interior, porque sendo ele inteiramente desconhecido, talvez ali se encontrem posições vantajosas e mui influentes no sistema geral de defesa do Reino”. Ou seja, as zonas junto do Douro superior, quer na sua margem esquerda, quer mais para o interior, eram nesta altura inteiramente desconhecidas do ponto de vista estratégico, tanto na sua topografia, como sob o ponto de vista militar. Urgia então iniciar os respectivos reconhecimentos. Foi essa a missão do capitão Sobral, a partir, pelo menos, de 1844.

Sigamos então as informações do relatório do capitão Sobral. Ele sai da Barca do Pocinho no dia 2 de Janeiro de 1845, como dissemos, às oito horas da manhã. A estrada tem a direcção NE-SO e o terreno é montanhoso. O caminho até Moncorvo faz-se por uma estrada com 28 palmos de largura no início, que diminui para 12 palmos junto da foz do Sabor, chegando-se à dita vila em 124 minutos exactos, como o relator anota (12). Sobral continua a sua viagem referindo os pontos notáveis, como subidas, descidas, quintas, ribeiros, entre Moncorvo e Cabeço da Mua, trajecto em que a estrada tem sempre cerca de 20 palmos de largura. Segue a meia encosta na Serra de Reboredo, vendo-se à esquerda, um vale com algumas quintas, que têm oliveiras, amendoeiras e onde se cultivam cereais. A serra tem duas léguas de extensão. Até Cabeço da Mua passaram-se mais 113 minutos, num total de 237 minutos desde a saída.
O reconhecimento segue agora para Carviçais, com passagem por um caminho que vai para Mós. Carviçais é uma “povoação rica e de importância do concelho de Moncorvo; tem 295 fogos e recursos de víveres e forragens e alojamento: pode comodamente alojar 600 homens e 100 cavalos”. Foram mais 60 minutos, exactamente, uma hora. O itinerário, medido em minutos, já leva 297, quase cinco horas.
Finalmente, o caminho segue para Lagoaça. Logo à saída de Carviçais há uma ramificação para Mogadouro, um mau caminho de quatro léguas, que passa por Estevais, Quinta das Quebradas, Castelo Branco e Vale de Porco, antes de chegar a Mogadouro. É claro, poder-se-ia seguir este caminho para Miranda, mas “a estrada do presente itinerário é sempre preferida”. Ou seja, por Lagoaça é melhor caminho!
No caminho para Lagoaça passa-se por Fornos, que é uma pequena aldeia a quatro léguas e meia do Pocinho. Pouco depois surge então Lagoaça, à direita da estrada, “grande e rica aldeia”, a cinco léguas do início. De Carviçais são mais 142 minutos, 479 minutos depois da saída do Pocinho.
Sobre Lagoaça diz o capitão Sobral: “Esta aldeia tem 240 fogos e pertence ao concelho de Freixo de Espada à Cinta; é povoação moderna e que tem engrandecido pela sua agricultura e comércio com o Reino vizinho. Tem comodidades para 600 praças e está situada a meia légua do Douro”.
Depois de Lagoaça, o itinerário prossegue para Nordeste, com uma ramificação para Vilarinho (“cabeça duma freguesia de 116 fogos que pertence ao concelho de Mogadouro, situada a pouca distância do rio Douro”), sendo que, desde o início até às imediações deste ponto o terreno é de textura xistosa e “deste ponto até às proximidades de Miranda é o terreno granítico”.
Seguindo o itinerário, há ramificações à esquerda para a aldeia de Castelo Branco e à direita para Bruçó, alcançando-se uma portela na serra da Garjopa (?), de onde se avista a vila de Mogadouro, à esquerda, a cerca de légua e meia. Mogadouro “tem 160 fogos, é cabeça de concelho e uma das mais antigas vilas do Reino; tem um castelo arruinado, aonde aparecem ainda os restos do palácio dos antigos Távoras”.
Há depois outras ramificações para Vilar de Rei, Vilarinho, Paçó, até chegar a Vila de Ala, Tó, Brunhosinho e finalmente Sendim, num total de 909 minutos desde a saída do Pocinho, mais de 15 horas, portanto. Sendim fica já no concelho de Miranda, sendo “uma grande e rica aldeia (…) muito maior e mais importante do que a cidade! Tem 225 fogos e além da sua avantajada colheita de produtos agrícolas, tem grande comércio, e uma importante feira mensal; está a meia légua do Douro e fronteira a Fermoselho (sic), grande vila espanhola, d’além Douro”.
O itinerário prossegue ainda até Miranda, onde se chega após 1.118 minutos de caminho, ou seja, nada menos que 18 horas e 38 minutos, como anota o capitão Sobral. Miranda é uma cidade fortificada, mas “está votada à penúria, não possuindo actualmente senão gloriosas reminiscências da sua antiga grandeza”. Isto tudo pelas seguintes razões: “A posição (…) fora de estrada alguma seguida; o abandono em que ficou desde a saída da Mitra, Autoridades e tropa para Bragança; os seus poucos capitais e nenhuma indústria”.

….
12 As distâncias referidas no relatório são medidas a pé (as chamadas horas de marcha), embora fosse habitual as equipas de reconhecimento deslocarem-se a cavalo. O modelo de informação é comum a outros relatórios de reconhecimento militar.



Sem comentários:

Enviar um comentário