Neste
dia de comemoração dos 150 anos da abolição da pena de morte, vem a propósito
falar de novo no único fuzilado português da Grande Guerra, a 16 de Setembro de
1917.
A
primeira vez que estudei este assunto foi em 1981, tendo publicado, juntamento
com Marília Guerreiro, na Revista Clio do Centro de História da Faculdade de
Letras (Vol. 3, 1981, pp. 193-199), um estudo intitulado “Um soldado português
fuzilado na Flandres”. Referi esse assunto no blogue Fio da História no dia 1
de Julho de 2011, quando se comemoravam 144 anos da abolição da pena de morte.
Ver aqui:
Uma
das últimas vezes que referi o assunto em público foi na apresentação da obra “Portugal
e a Grande Guerra”, edição da Editora Verso da História, em Dezembro de 2013,
no Forte do Bom Sucesso, sede da Liga dos Combatentes. Disse aí as seguintes palavras:
“Só focaria
mais um assunto, que recentemente se tornou de novo relevante. Trata-se do
único soldado português fuzilado na frente de combate, em França – o soldado
João Augusto Ferreira de Almeida. O estudo sobre este caso está feito. A
execução ocorreu em 16 de Setembro de 1917, numa altura em que entravam em
linha as primeiras unidades portuguesas. Há um pouco a ideia, de certa forma
confirmada por várias opiniões, de que este fuzilamento ocorreu por pressão do
comando inglês.
Por se tratar de um infeliz episódio ficou esquecido
nos arquivos e na memória. Pelas circunstâncias que vos direi, é altura de
retomar o caso.
Em 2006, portanto bem recentemente, o parlamento
inglês aprovou uma lei de perdão e reabilitação de todos os militares fuzilados
na primeira guerra mundial. Foram abrangidos 306 executados, entre britânicos e
da Commonwealth (25 canadianos, 22 irlandeses e 5 neozelandeses).
Embora com alguma polémica, visto na época se encontrarem
tropas britânicas no Iraque e no Afeganistão (razão que alguns deputados,
principalmente Conservadores, invocaram para argumentarem que tal resolução
seria capaz de influenciar a disciplina das tropas expedicionárias actuais), a
verdade é que todos os militares que serviram em unidades inglesas foram
perdoados.
Mas há um, um único, que tendo servido numa unidade
britânica (o 1º Exército, do qual dependia o Corpo Expedicionário Português),
não foi reabilitado e o estigma e a desonra permanecem ligadas ao seu nome.
Seria relevante que o Exército, ou a mesmo a Liga dos
Combatentes, assumisse como sua esta delicada tarefa – conseguir que o soldado
João Augusto Ferreira de Almeida seja perdoado e reabilitado, como o foram
todos os seus camaradas britânicos, que serviram na mesma unidade.
Quero também recordar que em França já existe uma
proposta de lei do Senado para o perdão e reabilitação dos seus “fuzilados como
exemplo”, como os franceses gostam de dizer. Data de 2008 e visa 675 militares,
em que estão 40 magrebinos e 15 africanos.
Os familiares deste infeliz soldado português, em
especial um seu sobrinho-neto que há algum tempo me procurou no sentido de
saber notícias do processo do seu tio-avô, poderão finalmente não só saber o
que realmente se passou com o seu familiar (o que nunca lhes foi comunicado)
como assistir ao seu perdão e à sua reabilitação”.
Já em 2010, com um grupo de amigos historiadores,
tentámos apresentar no Parlamento um dossiê sobre este caso, o que não veio a
concretizar-se. Nessa altura entre os vários documentos elaborados, fazíamos
este resumo:
“Os factos são estes:
Primeiro - Portugal enviou para a campanha europeia da
Grande Guerra de 1914-1918 um Corpo Expedicionário com mais de 50.000 homens.
Segundo - De acordo com a lei vigente na época (o que
exigiu uma alteração da Constituição de 1911 específica para esse fim, com a
reintrodução da pena de morte) um único soldado português foi fuzilado depois
de ouvir sentença dum Tribunal de Guerra organizado na frente de combate – o
soldado João Augusto Ferreira de Almeida.
Terceiro - O Corpo Português esteve sempre integrado
numa grande unidade inglesa – o 1º Exército da Força Expedicionária Britânica e
estava-o portanto no dia 16 de Setembro de 1917, dia em que o soldado português
foi fuzilado.
Quarto – Em 14 de Setembro de 2000, o Parlamento da
Nova Zelândia tomou a iniciativa de publicar uma lei de perdão dos seus cinco
soldados fuzilados no mesmo conflito;
Quinto – Em 11 de Dezembro de 2001, o Governo do
Canadá, pela voz do seu ministro dos Assuntos dos Veteranos, anunciou o perdão
dos seus 23 militares fuzilados ainda no mesmo conflito;
Sexto - Em 8 de Novembro de 2006, o Parlamento do
Reino Unido aprovou uma lei de perdão a todos os seus 306 fuzilados na Grande
Guerra, o que incluiu 22 irlandeses, 25 canadianos e cinco neo-zelandeses
(estes dois casos já abrangidos anteriormente pelas leis dos seus países);
Sétimo - Existe uma proposta do Senado francês de 2008
para o perdão dos 540 fuzilados franceses na Grande Guerra.
Nestas circunstâncias, pretende-se que Portugal
publique uma lei de perdão relativa ao soldado português fuzilado na Flandres
em 1917.
A apresentação formal deste processo tem o apoio da
família do soldado Ferreira de Almeida, representada pelo seu sobrinho-neto
Alberto Manuel Gomes
Ferreira de Almeida”.
Na sessão de lançamento da obra “Portugal e
a Grande Guerra” no Forte do Bom Sucesso, o Presidente da Liga dos Combatentes
assumiu publicamente a tarefa de se interessar por este caso e tomar em suas
mãos a apresentação de uma proposta ao Ministério da Defesa Nacional, a fim de
ser encaminhada para a Assembleia da República. Sabemos que se tem interessado
pelo assunto e tem feito esforços para que ele seja considerado por quem de
direito, mas a verdade é que tudo continua na mesma.
Hoje,
que se comemoram 150 anos da abolição da pena de morte, bem poderíamos esperar
que o único português condenado e executado depois disso, fosse, como merece, perdoado
e reabilitado.
Uma boa oportunidade para retomar o perdão do soldado português Ferreira de Almeida, executado na 1ª GG, faz agora 100 anos.
ResponderEliminarJorge Golias