Inicio aqui a publicação de vários textos da minha autoria (ou autoria conjunta, com a devida referência), com a regularidade que me for possível. Espero que possam ser úteis.
Este primeiro texto é a comunicação que fiz no dia do Arquivo Histórico Militar em 25 de Maio de 2015, a convite do seu diretor, coronel Carreira Martins.
Em primeiro lugar quero agradecer o privilégio de voltar a este lugar, como convidado, neste dia especial.
Este primeiro texto é a comunicação que fiz no dia do Arquivo Histórico Militar em 25 de Maio de 2015, a convite do seu diretor, coronel Carreira Martins.
Em primeiro lugar quero agradecer o privilégio de voltar a este lugar, como convidado, neste dia especial.
Por isso as primeiras palavras vão para o
Diretor do Arquivo, Coronel Carreira Martins. Digo-lhe que é uma honra
regressar a esta casa, que agora é sua, e poder dizer aqui umas palavras, mesmo
que muito simples. Muito obrigado.
Cumprimento e agradeço também ao Sr. MGen Santos
Carvalho, ilustre diretor da Direção de História e Cultura Militar, que muito
tem feito para manter a solidez duma missão tão importante para o Exército e o
prestígio dos órgãos e pessoas que a levam a efeito.
Cumprimento todos aqueles que trabalham no
Arquivo Histórico Militar e exorto-os a empenharem-se nas suas tarefas, que são
tão relevantes como quaisquer outras que o Exército deve cumprir.
Cumprimento também todos os convidados e todos
os presentes.
Gostaria de vos falar muito brevemente, de um
tema que propus ao diretor do Arquivo. Trata-se dos conflitos contemporâneos e a
documentação.
Como sabem, no Século XX, Portugal esteve
envolvido diretamente em dois grandes conflitos – a Grande Guerra e a Guerra
Colonial. O Exército, através dos seus órgãos e unidades, desempenhou o
principal papel.
A Grande Guerra prolongou-se de 1914 a 1918,
mas o Exército manteve atividades para lá desta data, até ao regresso
definitivo a Portugal, em 1919, das últimas unidades que integraram o Corpo
Expedicionário Português.
A Guerra Colonial prolongou-se de 1961 a 1974,
tendo o Exército continuado o seu empenho operacional até à data das
independências, ou seja, até ao final de 1975.
As duas campanhas têm muito em comum, mas com
substanciais diferenças.
Em primeiro lugar o tempo de desempenho é
diferente, já que enquanto na Grande Guerra as operações se prolongam de 1914 a
1918, durante cinco anos; e na Guerra Colonial, elas duraram quase quinze anos,
do início de 1961 aos finais de 1975.
Em segundo lugar, os teatros de operações têm
coincidências, mas importantes diferenças. Um facto aproxima os dois conflitos
- em nenhum deles foi envolvido diretamente (como zona de operações
significativa) o território nacional europeu. Na Grande Guerra, em relação a
Angola, as operações principais situaram-se no sul do território e foram
breves, pois estavam praticamente concluídas no início de 1915. Em relação a
Moçambique, as operações iniciaram-se mais tarde e prolongaram-se até ao fim da
guerra, próximo do final de 1918, e estenderam-se desde a fronteira Norte até
ao centro do território.
A Guerra Colonial, por seu lado, teve três
teatros de operações principais, Angola, Guiné e Moçambique, sendo que em
Angola as operações se desenrolaram sobretudo no Norte e no Leste do território;
e em Moçambique, para além da zona Norte, coincidente com a Grande Guerra, as
operações atingiram muito profundamente a zona de Tete e também as zonas de
Manica e Sofala, já no centro do território, a chamada zona decisiva da guerra.
Mas vejamos ainda mais semelhanças e diferenças
entre os dois conflitos. Lancemos para tal, um olhar sobre os efetivos
empenhados.
Para os três teatros da Grande Guerra, Portugal
mobilizou mais de 100.000 homens, sendo 18.000 para Angola, 30.000 para Moçambique
e 55.000 para França. Já para a Guerra Colonial, confiando numa primeira
análise, já que falta levantar o número aproximado, Portugal terá mobilizado
cerca de 800.000 homens! É este um número impressionante, que implicou a
constituição e organização de centenas de unidades, que integraram ou
reforçaram os três teatros de operações referidos – Angola, Guiné e Moçambique.
Porventura, esta foi uma situação que não
voltará a repetir-se, pelo menos assim o desejamos.
Vista a dimensão destes dois empenhamentos
militares, vamos então à questão que gostaria de refletir convosco – a questão
da documentação, razão de ser e missão do Arquivo Histórico Militar.
As organizações militares são extremamente
burocráticas. Produzem imensos documentos, porque cumprem um conjunto de normas
que molda o seu modo específico de estar e de se relacionarem. Aqueles
responsáveis que são diligentes, e quero querer que todos o são, e que guardam
os documentos, tanto como prova administrativa, jurídica ou operacional (com o
fim, que deveria ser o seu, de prova histórica futura) acabam por se ver a
braços com uma massa documental enorme, quando terminam as suas missões.
Ora, o caminho a seguir por estas massas
documentais não é ainda, infelizmente, bem compreendido por todos. O esforço de
todos os responsáveis do sistema de arquivos do Exército deve centrar-se exatamente
nesse ponto – salvaguardar, com o fim de prova histórica, os documentos
produzidos pelo Exército, nas suas várias missões.
Voltemos então aos conflitos contemporâneos. O
panorama documental em relação aos dois conflitos é um pouco diferente. Da
Grande Guerra, o Exército preservou um arquivo significativo que parece
suficiente como prova histórica. E eu digo parece, porque ninguém, ou muito
poucos, pode afirmar se há ou não há faltas graves, coleções muito incompletas,
unidades sem memória documental. O que eu quero dizer é que a massa documental
que regressou com o C.E.P. ainda não recebeu o tratamento arquivístico que
merece, e que eu, em outro lugar, já procurei esclarecer. Por sua vez, as
expedições ultramarinas, por correrem pelo ministério das colónias, como as
regras de então obrigavam, depositavam os seus arquivos no Arquivo Colonial, atual
Arquivo Histórico Ultramarino, onde só agora se vai acedendo a essa
documentação. Há aqui, portanto, trabalho a fazer, mas estou certo que o centenário
não terminará sem um projeto arquivístico, devidamente suportado, para
finalmente sabermos uma parte importante do que se passou com os nossos avós em
terras de França, na Grande Guerra.
Tudo é diferente relativamente à Guerra
Colonial. A memória documental existente no sistema de arquivos do Exército não
corresponde à amplitude do empenhamento militar de Portugal em três teatros de
operações, durante quinze anos, com centenas de unidades. Infelizmente, não
possuímos as provas documentais correspondentes a esse empenhamento.
Verdadeiramente, não possuímos hoje um arquivo completo de um único Batalhão,
que tenha cumprido a sua missão de dois anos em qualquer dos teatros de
operações. Nestas circunstâncias, não tenho muitas recomendações a fazer, se
tal me é concedido. Apenas uma – recolher tudo o que respeita a esse período,
se alguma coisa ainda resta (tornando imperativas as transferências para o
Arquivo Histórico Militar) e procurar reconstituir, por aplicação dos
princípios arquivísticos, como o da proveniência, o sistema de relações da
época e dos respetivos fluxos documentais.
Não quero que as minhas palavras sejam
interpretadas como qualquer crítica, que não tenho intenção de fazer, mas como
um lamento e um alerta.
Se me é permitido então concluir, enquanto
temos do C.E.P. uma massa documental que nos deixa tranquilos quanto à sua
posse, mas ansiosos por um projeto que organize o fundo documental (ou fundos
documentais, logo veremos), relativamente às unidades que participaram na
Guerra Colonial ficamos desolados pela ausência quase completa dos respetivos
arquivos, que poderiam dar-nos uma mais segura perspetiva do que foram as
histórias do seu empenhamento.
De qualquer forma, a tarefas que todos têm pela
frente não é fácil, e eu desejo que não a facilitem ainda mais, e possam
orgulhar-se, no futuro, do trabalho que executaram em prol da guarda e
catalogação da documentação histórica do Exército, que é essa, fundamentalmente,
a missão do Arquivo Histórico Militar.
(1) Palavras pronunciadas no dia do Arquivo Histórico Militar, em 25 de maio de 2015
Pátio dos canhões, entrada para o AHM |
Livros de registo antigos, uma história por fazer |
Aspeto das novas instalações em Chelas |
Outro aspeto das novas instalações em Chelas |
Meu Caro,
ResponderEliminarAcho que há mais um elemento a tomar em conta e que não é nada de desprezar: na Grande Guerra, em qualquer situação - França, Angola e Moçambique - do que se tratou foi de expedições e há que parar e meditar neste termo.
Com efeito, o conceito de expedição implica uma ida e um regresso; é como se estivesse a combater em terra alheia (caso de França, mas não o de Angola e de Moçambique). Ora, o que aconteceu com a Guerra Colonial foi o oposto disto mesmo, pois, por definição imposta pelo Estado Novo, as colónias eram território tão português como o Minho ou o Algarve e, nesta perspectiva, o espólio documental não tinha que "regressar" podendo ficar em África, porque ficava "para sempre".
Assim, por causa de uma decisão política, muitos documentos ficaram por lá ou foram queimados aquando do regresso final, em 1975, por impossibilidade física de os trazer.
Estou errado?
Um abraço.
Meu caro amigo,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo teu comentário. Um breve apontamento: O que eu quis dizer naquela oportunidade, não se referia à documentação que ficou nas colónias, mas sim à muita documentação que foi destruída em Portugal e porventura a outra que ainda pode ser destruída se não se cumprirem as normas em vigor. Quanto às forças expedicionárias: o conceito pode ser o que apontas, mas a verdade é que os batalhões mobilizados em Portugal traziam toda a sua documentação e fizeram entrega dela nas unidades mobilizadoras, e estas, quando extintas, não souberam salvaguardar essa memória. Falaremos mais sobre isso... Abraço amigo.