Em abril de 2015, o Instituto
de Defesa Nacional organizou um Workshop sobre o tema “Os Poderes dos Pequenos
e Médios Estados na Grande Guerra: Comparação Portugal – Brasil”. Eu e o Carlos
de Matos Gomes fomos convidados a apresentar uma comunicação, como autores do
livro “Portugal e a Grande Guerra”, sobre o qual nos propusemos falar. Aceite a
proposta pelos organizadores, explicámos o percurso editorial do livro, desde o
seu planeamento até à sua última edição, naquilo que podemos considerar um
percurso de sucesso.
O texto foi depois
publicado na revista “Nação e Defesa” do Instituto de Defesa Nacional, nº 145,
de 2016, pp. 24-32.
Deixo aqui o essencial do
texto então apresentado.
1. Introdução
Em 2003 publicámos o livro Portugal e a Grande Guerra, edição do Diário de Notícias. No texto de apresentação
da obra, começámos por escrever o seguinte:
“A
Grande Guerra, depois conhecida como Primeira Guerra Mundial, deflagrou na
Europa nos primeiros dias de Agosto de 1914 e só terminou com a assinatura do
Armistício, em 11 de Novembro de 1918.
Iniciada pela invasão da Bélgica pelas
tropas da Alemanha, na convicção de uma campanha curta, a guerra só viria a
parar cinquenta e dois meses depois, com 65 milhões de homens mobilizados, oito
milhões e meio de mortos, 20 milhões de feridos, milhares e milhares de
prisioneiros e desaparecidos. Só parou com o esgotamento de recursos, a
destruição das cidades, a desolação dos campos e um imenso sofrimento.
Estendeu-se dos campos da Flandres a todo o mundo. Da Europa ao Médio Oriente;
da África ao Extremo Oriente; da América a todos os espaços marítimos. Todos os
povos sofreram, beligerantes ou não, para que um mundo, supostamente novo,
fosse edificado em cima de uma imensa dimensão de dor.
A Grande Guerra demonstrou como era frágil a
ordem internacional, baseada no equilíbrio de poderes e na rede de alianças
tecida por uma complexa e intrincada matriz de relações entre as nações.
O campo de batalha modificou-se. O mundo
percebeu a sua nova dimensão. Passámos todos a ser vizinhos.”
A ideia de publicar este livro surgiu na
sequência da anterior obra da nossa autoria, também publicada pelo Diário de Notícias em 1997, com o título
de Guerra Colonial.
Foi em Julho de 1995
que apresentámos ao Diário de Notícias
um projeto para publicação de uma obra sobre a Guerra Colonial, em fascículos.
Logo em 25 de Setembro assinámos o respetivo contrato. A publicação iniciou-se
no dia 5 de Outubro de 1997 e terminou um ano depois, com 52 fascículos
semanais, com uma tiragem de cerca de 30.000 exemplares distribuídos
gratuitamente com o jornal, às quintas-feiras. Nessa época, a publicação
excedeu as expectativas que todos tínhamos, chegando a influenciar a
estatística de vendas do jornal.
Foi a partir deste projeto que pensámos
abordar, através de uma obra de referência, cada um dos três conflitos
contemporâneos de Portugal: Guerra Colonial, Grande Guerra e Guerra Peninsular.
E embora a abordagem da Guerra Peninsular não viesse a concretizar-se, essa
ideia geral levou-nos a apresentar nova proposta ao Diário de Notícias, focando agora a Grande Guerra e a participação
portuguesa, proposta datada de Fevereiro de 2001. O contrato foi assinado em
Setembro desse ano. A publicação dos fascículos estendeu-se de Abril de 2003 a
Abril de 2004, sendo o modelo em tudo semelhante ao da Guerra Colonial.
2. A proposta
No texto da
proposta ao Diário de Notícias,
definíamos assim o público destinatário do livro: “A obra destina-se
ao público em geral, assumindo o carácter de divulgação, e nunca de tese.
Embora não existindo já a geração que participou na Guerra, as consequências
para a História Contemporânea continuam a ser extensas, e a geração da guerra
colonial, bem como a geração mais jovem, não deixará de se interessar pela
guerra dos seus avós”. Deveria pois ser um “trabalho rigoroso, didático,
apelativo, valorizando-se a descrição, a explicação e a imagem”.
Desde logo nos sentimos obrigados a
concretizar o nosso plano, propondo uma organização baseada em grandes
capítulos, por um lado, e num conjunto de temas específicos, a tratar em
paralelo.
Os grandes capítulos, com os diversos
assuntos, seriam os seguintes:
1. POLÍTICA
GERAL
a. Antecedentes
da Guerra
b. Tensões
na Europa
c. O
Mundo e o poder militar
d. A
questão colonial
e. Causas
próximas
f. Sistema
de alianças
g. Mobilizações
h. Neutralidade
belga
i. Alemanha:
duas frentes
j. Intervenção
britânica em França
k. Entrada
dos Estados Unidos na Guerra
l. A
revolução russa
m. Os
problemas internos dos impérios centrais
n. Armistício
e Conferência de Paz
o. Marcas
da Guerra para o século XX
E justificando a nossa opção, esclarecíamos:
“Este articulado permitirá que a situação internacional seja estudada e
acompanhada ao longo dos fascículos, visando explicar como o mundo era no
início da guerra, como se comportou e transformou ao longo do conflito e como
ficou no pós-guerra. Neste capítulo serão naturalmente referidos os países com
posições preponderantes no conflito, mas não deixarão de se mencionar todos
aqueles que, pela sua vizinhança com Portugal (p.e. Espanha) ou pelo papel
pontual que assumiram se tenham tornado importantes, em determinados contextos
(p.e. Balcãs, Império Otomano, etc.)”.
2. POLÍTICA
NACIONAL
a. Afirmação
internacional da República – posição face à Espanha
b. A
dependência britânica e a questão colonial, face às ambições alemãs
c. Da
República à Guerra: quatro anos difíceis
d. Posições
das várias correntes políticas perante a Guerra
e. A
neutralidade do período 1914 a 1916
f. Os
pedidos franceses da artilharia portuguesa
g. Desinteresse
britânico na beligerância portuguesa
h. A
guerra em Angola e Moçambique: opções político-militares
i. O
Governo Pimenta de Castro e a Guerra – desmobilização da Divisão Auxiliar
j. O
significado do 14 de Maio de 1915 em relação à Guerra
k. A
questão dos navios alemães e austríacos nos portos portugueses – a declaração
de guerra
l. Negociações
militares com a Grã-Bretanha e a França
m. A “frente”
interna e a Guerra – resistências à política de intervenção na Europa
n. Reflexos
da luta política interna no seio do CEP
o. O
Sidonismo e a Guerra
p. Novas
convenções luso-britânicas
q. Dificuldades
nos recompletamentos de pessoal
r. O
papel dos Açores
s. O
Armistício e a participação portuguesa na Conferência de Paz
t. Balanço
da participação portuguesa na Guerra
E seguiam as justificações: “Neste capítulo,
também tratado ao longo dos fascículos, de forma articulada com a situação
internacional, procurar-se-á acompanhar a situação política portuguesa, em
especial na sua relação com as questões militares e com a participação na
guerra, tanto nos teatros coloniais como na Europa”.
3. QUESTÕES
MILITARES GERAIS (DOUTRINAS, TÁCTICAS, TEATROS DE OPERAÇÕES, BATALHAS)
a. Doutrinas
e planos militares – uma guerra curta e fulminante
b. Primeiras
operações – mapas da guerra
c. O
fogo vence o movimento. Estabilização das frentes
d. Guerra
das trincheiras
e. Principais
teatros de operações. Mapas e evolução
f. A
guerra em África. Operações nas colónias portuguesas
g. Frente
Ocidental – Organização do campo de batalha; linhas e organização do terreno
h. Frente
Ocidental – Batalhas principais, antes da chegada do CEP a França
i. Guerra
no mar – importância dos submarinos
j. Os
primeiros passos da guerra aérea
k. Guerra
química
l. Informação
e contrainformação
m. Ações
de reconhecimento
n. Operações
ofensivas
o. Operações
defensivas
Especificando as razões: “Procura-se, com
este capítulo, analisar e explicar as principais questões militares que se
prendem com a manobra, refletindo sobre a evolução prática dos princípios de
aplicação das forças e das características dos campos de batalha. Integram-se
alguns aspetos de atuação das forças portuguesas”.
4. ORGANIZAÇÃO
MILITAR – ASPECTOS GERAIS (ORGÂNICA, INSTRUÇÃO, ARMAMENTO, LOGÍSTICA,
COMUNICAÇÕES, ETC.)
a. Novas
armas
b. Sistemas
de transporte
c. Comunicações
d. Indústrias
de guerra
e. A
reorganização militar de 1911 em Portugal
f. O
Exército Português em 1914
g. A
Marinha Portuguesa em 1914
h. Primeiras
medidas militares visando a intervenção
i. Angola
e Moçambique – mobilização, organização e equipamento das expedições
j. Rearmamento
do Exército e da Marinha
k. Preparação
de uma Grande Unidade para a frente ocidental
l. Instrução
no Exército Português – o “milagre” de
Tancos
m. Organização,
fardamento e equipamento do CEP
n. Transporte
do CEP para França
o. Instalação
e instrução em território francês
p. O
caso específico da artilharia portuguesa
q. Reorganização
do CEP a duas Divisões
r. Dados
estatísticos gerais e relativos às tropas portuguesas – mortos, feridos,
prisioneiros, etc.
s. Progressos
tecnológicos resultantes da guerra
Justificando: “Neste capítulo far-se-á uma
comparação histórica da organização das principais forças em presença, com
especial desenvolvimento dos aspetos que respeitam às forças portuguesas, tanto
do CEP, como das expedições coloniais”.
5. O
CEP E A BATALHA DE LA LYS
a. Entrada
do CEP em sector. Mapas e evolução. Primeiros combates.
b. Movimento
de rotação nas linhas
c. Justiça
e disciplina. Problemas disciplinares de natureza coletiva
d. Informação
e contrainformação
e. Antecedentes
da batalha de La Lys. O plano alemão
f. Situação
do CEP nas vésperas do ataque alemão
g. O 9
de Abril
h. Prisioneiros
de guerra
i. Desmantelamento
do CEP depois da La Lys
j. Últimas
ações
Ou seja: “Este será um dos capítulos
centrais da obra, abordado ao longo dos fascículos, focando especialmente o
Corpo Expedicionário Português, no que respeita à ação militar propriamente
dita”.
A estes capítulos principais juntar-se-iam
outros cuja abordagem se tornava indispensável a uma obra de referência,
organizados da seguinte forma:
6. “A
SOCIEDADE E A GUERRA
a. Da
“Nação em Armas” à “Nação em Guerra”
b. As
“Retaguardas”
c. A
sociedade portuguesa e a guerra – apoios e resistências
d. Propaganda
e contrapropaganda
e. A
imprensa e a guerra – reportagens e artigos de opinião
f. Notícias
da guerra
g. Economia
de guerra
h. Arte
e literatura de guerra
i. A
sociedade portuguesa no pós-guerra
7. PROTAGONISTAS
DA GUERRA
Pequenas
biografias de figuras políticas e militares destacadas, nacionais e
estrangeiras
8. QUOTIDIANOS
E DIVERSOS
a. Atividade
diária nas linhas
b. Alimentação
e higiene
c. O
apoio sanitário
d. Correspondência
e censura
e. Visitas
e cerimónias
f. Heroísmos
e anti-heroísmos
g. O
fuzilado português
h. Organizações
femininas de apoio
i. Recuperação
de mutilados e gaseados
j. Cartas
da frente
k. Poesias
e canções das trincheiras
l. Os
“estaminets”
m. O
“falar francês”
n. Regresso
das frentes de combate
o. Mortos
em combate: cemitérios e monumentos
p. Memórias
de guerra
9. CRONOLOGIA
DA GUERRA”.
Para
além da estrutura de capítulos proposta, era nossa intenção abordar os
seguintes temas, por forma a completar a informação referida: “Origens e
justificações da guerra”, “Estratégia portuguesa e a sua participação na guerra”,
“A guerra em Angola”, “A guerra em Moçambique”, “O Sidonismo e a guerra” e
finalmente “A Grande Guerra, hoje”.
Terminada
a apresentação do plano que nos propúnhamos desenvolver, passámos à indicação
da equipa de autores já então contactados, comentando para cada um, o seu
curriculum e as seus méritos:
1. Autores do projeto e coordenadores - Aniceto Afonso
e Carlos de Matos Gomes.
2. Colaboradores principais – David Martelo, Luís Alves
de Fraga e Nuno Santa Clara Gomes.
3. Outros
colaboradores: António José Telo, António Ventura, Ernesto Castro Leal, Hipólito
da la Torre Gomez, João Vieira Borges e Marília Guerreiro.
3. A obra e as suas
edições
De uma forma geral o projeto foi
seguido à risca. No final, a obra apresentou-se ao público nos 52 fascículos
referidos e com as seguintes características: 624 páginas, 146 textos
principais, 684 imagens, 70 infografias, 80 tabelas/quadros, 94 citações de
protagonistas na margem da página, 46 pequenas biografias, 23 extratextos (alguns
deles de homenagem a alguns países, como a Bélgica, França, Austrália-Nova
Zelândia, Canadá, mas também à África do Sul, Grécia e Índia) e 20 quadros
cronológicos.
Esta 1ª edição foi distribuída com o
jornal Diário de Notícias, numa
tiragem que rondou os 35.000 exemplares (no jornal calculava-se que tivessem
sido encadernado 20% dos exemplares distribuídos e cujas coleções foram depois
completadas na respetiva loja ou por encomenda).
Mais tarde, em 2010, constatando que a
edição do Diário de Notícias estava
completamente esgotada, aceitámos fazer uma nova edição com a editora QuidNovi,
com características um pouco diferentes, embora com o mesmo texto. E passados
três anos, em Dezembro de 2013, já antecipando a evocação do centenário da
Grande Guerra, a editora, agora sob a chancela da Verso da História, fez a sua
2ª edição, a qual integrou uma edição especial de 500 exemplares numerados e
assinados pelos autores.
Capa da edição da Verso da História, 2013. |
O lançamento desta última edição foi
feito no Forte do Bom Sucesso, em Lisboa, afeto à Liga dos Combatentes.
(…)
Por fim,
e retomando a obra inicial, Portugal e a
Grande Guerra, a editora Verso da História, já em 2014, e no sentido de
evocar o centenário do início da Guerra, preparou uma nova edição, em seis
pequenos livros de 108 páginas cada um, distribuídos com o jornal Público, com uma tiragem de 4.000
exemplares.
4. Em conclusão
Não queremos
deixar de dar testemunho do interesse que neste período de evocação da Grande
Guerra tem havido nas Escolas pelo estudo deste acontecimento e também do facto
de este nosso livro estar a ser utilizado, em muitas delas, como base do ensino
deste tema.
Na última Escola
em que estivemos, a Escola Secundária Leal da Câmara, em Rio de Mouro, o tema
estava integrado no projeto da Escola, havia uma exposição sobre a Guerra, um
conjunto de professores interessados, alunos que faziam perguntas e dois livros
eleitos como base do projeto: A Oeste
Nada de Novo de Erich Maria Remarque e o Portugal e a Grande Guerra.
Terminamos, com uma breve passagem do
nosso texto de apresentação da obra, que consta em todas as edições: “Seguimos
o conflito passo a passo, frente a frente, batalha após batalha. Passamos os
olhos pelas sociedades, pelos exércitos, pelos teatros de operações, pelas
lutas de bastidores, pelos primórdios de novas formas de intervenção.
Pesquisamos os campos de batalha, os quotidianos, os gabinetes dos
estados-maiores e dos poderes políticos. Procuramos observar as novidades da
tecnologia, as novidades da persuasão, a inesperada novidade de um mundo à
escala de uma única guerra.
Situamos Portugal neste contexto. Seguimos,
passo a passo, os seus passos em direção à beligerância. As polémicas da sua
participação. As feridas sobreviventes.
Este nosso trabalho é um contributo. Temos a
ideia de que fazia falta. Assim ele possa suscitar a reflexão que a Grande
Guerra, como todas as guerras, merece”.
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