Logo
que terminei o curso de História na Faculdade de Letras de Lisboa, em 1980, fui
convidado por alguns professores para participar em projetos de investigação
que nessa altura tinham entre mãos. Passou-se isso com o Prof. João Medina, com
quem participei na História Contemporânea de Portugal, que veio a ser publicada em 1985, e
aconteceu também com o Prof. Vítor Vladimiro Ferreira, com quem fiz uma longa
investigação no Arquivo Histórico Diplomático sobre a correspondência oficial
da Legação de Portugal em Londres, entre 1900 e o início da Grande Guerra.
Fiquei com a parte respeitante ao ministro (embaixador) Manuel Teixeira Gomes,
correspondente ao período 1911-1914.
O
trabalho foi publicado logo em 1982 na Análise Social, mas fica aqui a minha
parte, com outro título.
Análise
Social, ver aqui:
É nosso objectivo procurar, no meio da
infindável lista de razões que precipitaram o penoso caminho da experiência
republicana, um escolho que se associou a elas, feito de pequenos nadas
escondidos na correspondência oficial de Teixeira Gomes, ao longo dos anos de
1911 a 1914.
As monarquias europeias, e em especial a
inglesa, se suportavam mal a sua congénere portuguesa, não aceitaram de bom
grado a solução republicana.
A oposição ao novo regime procurou
organizar-se onde o terreno lhe era mais propício e o contra-ataque pudesse ser
planeado, organizado e executado.
Ficaram então em Espanha os executantes e
refugiaram-se em Inglaterra os marechais. A conspiração começou de imediato e
manifestou-se em Inglaterra de três formas: acolhimento da família real e
facilidades concedidas à movimentação dos seus apoiantes; campanhas sucessivas
de imprensa sobre aspectos globais ou factos ocasionais ocorridos em Portugal,
por forma a levar a opinião pública a manifestar-se contra o novo regime;
atitudes do Governo Inglês, adiando o reconhecimento da República, por forma a
manter as mãos livres, exigidas pelos apoios a uma viragem da situação.
Aspeto da inauguração da estátua da Rainha Vitória, em Londres, em 1911, ano em que Teixeira Gomes iniciou funções como Ministro de Portugal em Londres. |
A análise da correspondência de Teixeira
Gomes faz ressaltar as questões fulcrais que se colocaram à República no âmbito
das suas relações externas. O plano que Teixeira Gomes acaba por delinear para
a sua acção diplomática centra-se em torno de meia dúzia de problemas vitais,
quase todos inter-relacionados.
Não parece, assim, de surpreender que a primeira
grave questão que se coloca à Legação Portuguesa em Londres seja efectivamente
a de conseguir opor-se aos planos da conspiração que fazia de Inglaterra uma
praça-forte.
A acção conspirativa desenvolvia-se a vários
níveis - junto das altas esferas influentes (família real, aristocracia,
almirantado), onde os conspiradores procuravam apoios políticos; junto da
imprensa, onde era notória a intenção de manter latente a questão portuguesa,
influenciar a opinião pública contra a República e agitar certo tipo de
problemas sensíveis ao espírito inglês e baseados em atitudes (com um fundo de
verdade ou não) dos novos dirigentes e das novas instituições portuguesas;
ainda junto de outros emigrados portugueses, no sentido da sua mobilização para
a causa, da recolha de fundos e da preparação de meios militares de
intervenção: equipamento de navios e preparação de incursões.
Teixeira Gomes procurou guiar-se por um
plano razoável e possível, sabendo que o essencial da questão portuguesa não
era resolúvel tomando somente em consideração os meandros das relações
externas.
A leitura da sua correspondência oficial
transmite a impressão de que Teixeira Gomes possuía uma central de informações,
tão precisas e oportunas eram as advertências de que se fazia porta-voz, quer
junto do Governo Português, quer junto do Foreign Office.
Floristas de Londres, em 1911. |
Já depois de ter feito abortar várias
tentativas de compra de navios de guerra por parte dos conspiradores,
normalmente com recurso ao Foreign Office e levando na mão o nome do navio, o
porto em que se encontrava e, por vezes, o conhecimento da casa encarregada da
transacção, Teixeira Gomes, recebendo, em 4 de Setembro de 1911, informações de
Lisboa que asseguravam uma iminente entrada em Portugal de conspiradores vindos
da Galiza, noticia com surpreendente pormenor, em 13 do mesmo mês, que os
comandantes da conspiração estão deveras descontentes com a pouca actividade de
Paiva Couceiro.
Ainda passados dois dias, a 15 de Setembro,
Teixeira Gomes, através de um seu agente, informa o dia da incursão - 25 de
Setembro -, assim como os locais de concentração em território espanhol:
Orense, Tui, Santiago e Salamanca.
Adiada esta, Teixeira Gomes pôde ainda
alertar, em 4 de Outubro, talvez já não a tempo, embora o sistema Marconi
tivesse sido estabelecido no princípio de Agosto, «como desejava a Inglaterra»,
que se dava como certa a entrada de Paiva Couceiro em Portugal com 4000 homens.
Acrescentando, com vaga ironia, que se queda entre o humor e o pragmatismo do
seu espírito de negociante, que as firmas comerciais da City tinham uma posição
favorável à República.
Contudo, a 6 de Outubro, apesar da evidência
dos factos, quando a Reuter dá a notícia da entrada do corpo de conspiradores
na fronteira próximo de Bragança, Teixeira Gomes informa em telegrama:
«Desmenti logo», o que constitui, ao que julgamos, uma das poucas precipitações
do ministro português em Londres.
O rescaldo desta primeira incursão
couceirista iria prolongar-se até Novembro, após o que a questão esmoreceu,
mantendo-se contudo latente. Ressurge em Abril de 1912, em ofícios
demonstrativos de novas preocupações do Governo Português. Confirmando este a
possibilidade de nova incursão dos conspiradores, auxiliados por navios que se
dirigiriam sobretudo ao Porto e tendo como comandante da esquadra Azevedo
Coutinho, Teixeira Gomes reinicia as diligências junto do Foreign Office, no
sentido de o Governo Inglês intervir junto da Espanha para que esta impeça as
manobras conspirativas contra a República. O Governo Inglês recusa-se a
intervir, argumentando que o caso deve ser tratado entre o Governo Português e
o Governo Espanhol, através de notas «insistentes, justificadas e enérgicas».
Aliás, essa questão era de tal forma considerada no âmbito dos dois governos
peninsulares que o Governo Inglês recusara intervir quando o Governo Espanhol
pedira os «bons ofícios do Governo Inglês (e esta informação era dada
confidencialmente!) para impedir ou sustar a propaganda republicana de
portugueses em Espanha». Ultrapassada, contudo, a segunda incursão, em Julho de
1912, o tempo parecia consolidar as instituições republicanas.
A ideia monárquica, desacreditada pelo longo
fracasso da sua existência e pela memória viva do seu apodrecimento, não se
mostrava capaz de vingar pela afirmativa, pela luta, pela recuperação dos seus
valores expulsos. As incursões foram tentativas que tiveram um sabor a farsa,
quedando-se entre dois receios: o de não mais voltar e o de ter de voltar.
Mudou de estratégia por isso a reacção monárquica. Aniquilada na sua capacidade
de disputar activamente o poder que perdera, a Monarquia estudou, com a astúcia
de velha raposa, outras formas de regressar. E Teixeira Gomes, também astuto,
descobre, algo desalentado, a táctica, inteligente e difícil de contrariar, do
inimigo.
Páginas da Ilustração Portuguesa, com vários aspetos das incursões monárquicas de 1912, em Chaves. |
Em 3 de Outubro de 1912 tem oportunidade de
lançar o primeiro aviso: “[...] por informações colhidas em várias fontes
cheguei à certeza de que as esperanças de restauração renasceram no espírito
dos monárquicos, os quais contam com as dissenções dos grupos políticos de que
se compõe o Parlamento português e o inevitável descontentamento que essas
dissenções criarão no público, para renovar as tentativas de aliciamento tanto
nos elementos militares como civis”.
Em 2 de Janeiro de 1913, como que num
balanço do ano anterior, Teixeira Gomes renova as suas preocupações: as
esperanças que os monárquicos alimentam baseiam-se «na falta de entendimento
entre os vários partidos republicanos que aspiram ao poder, provocando assim a
instabilidade dos ministérios e dificultando a sequência na execução de
qualquer plano político e económico».
Depois deixa arrastar-se de novo pela luta
contra a conspiração concreta, traduzida na compra e transporte de armamento e
munições, na movimentação dos mais importantes agentes realistas e na forma
como a imprensa inglesa trata a situação em Portugal e aproveita os mais
pequenos incidentes para demonstrar a sua nunca sarada irritação contra o novo
regime português.
É que o campo essencial da luta deixara de
ser a Espanha ou a Inglaterra, os navios, o armamento ou a angariação de
fundos. O campo passara-se para o interior, desenvolvendo-se em dois círculos
privilegiados da reacção - as zonas rurais e a área do poder. Teixeira Gomes,
consciente embora da situação, estava demasiado longe para se aperceber
completamente do perigo que ela representava.
Ir-se-ia manter longamente mergulhado em
campos de luta que mexiam mais com a sua sensibilidade — a questão colonial e o
problema das campanhas de opinião desencadeadas em Inglaterra a favor dos presos
políticos portugueses e contra a escravatura praticada nas colónias
portuguesas.
Embora sendo indubitável que a preocupação
dominante de Teixeira Gomes se prendeu, durante os primeiros tempos da sua
permanência em Londres, com a consolidação das instituições republicanas e,
portanto, com a luta contra os conspiradores monárquicos, é igualmente fora de
dúvida que um assunto houve que constantemente surge como inquietante para o
espírito do representante português — a política colonial.
A estratégia das potências europeias
confrontava-se com as limitações dos recursos de cada uma. Cada vez mais o
desenvolvimento do capitalismo necessitava de áreas de expansão, que só eram
possíveis nas zonas periféricas da própria Europa ou nos territórios coloniais.
A Alemanha, porque historicamente não tivera acesso à posse desses territórios,
necessitava mais do que qualquer outra nação de uma solução urgente para a sua
capacidade expansiva. O seu potencial não poderia deter-se perante meras
formulações de carácter histórico, jurídico ou político. A tensão europeia
fazia adivinhar perturbações a breve prazo.
Teixeira Gomes não tinha dúvidas acerca das
dificuldades que se aproximavam. Na sua análise, a hipótese mais provável
respeitava à eventual partilha dos territórios coloniais portugueses pelas
potências europeias — e em especial pela Alemanha—, por forma a aplacar a gula
expansionista de Berlim. E isto, Teixeira Gomes sabia-o, estava a negociar-se
entre essas potências, especialmente entre a Inglaterra e a Alemanha. Por isso,
o seu esforço de pesquisa se dirigia para a obtenção de informações que lhe
possibilitassem compreender a estratégia que estava delineada.
A primeira questão que lhe surge é uma
campanha organizada por um movimento antiesclavagista, do qual Teixeira Gomes,
embora intuitivamente lhe dedicasse cuidados especiais, apenas compreenderia o
significado quando pôde ligá-lo à existência de negociações secretas entre a
Inglaterra e a Alemanha. De facto, em Maio de 1911, o representante português,
a propósito da questão antiesclavagista, informa que tem «já um considerável
dossier de documentos que a ela se referem, não perdendo ocasião alguma de
interrogar quaisquer individualidades que se encontrem ligadas a esse movimento,
habilitando-me para, em qualquer lance, encetar uma campanha de ataque contra
os que falsamente deprimem os sentimentos humanitários dos Portugueses ou
simplesmente rebater as suas acusações».
Mas, enquanto o problema do esclavagismo
parecia ainda de menor importância, um outro dominava as atenções de Teixeira
Gomes. Na verdade, apesar das repetidas afirmações de credenciados
representantes ingleses aos seus insistentes pedidos de esclarecimento, ia-se
visivelmente «acentuando a ideia de que não poderá haver harmonia perfeita
entre as duas grandes potências enquanto a Inglaterra não entregar à Alemanha a
melhor parte, se não a totalidade, das nossas possessões na África
continental». Isto tornava-se publicamente claro quando um jornal alemão, o
Morgen Post, publicava, em 4 de Dezembro de 1911, um artigo mostrando a
conveniência de a Alemanha exigir parte das colónias portuguesas como
compensação da sua abstenção nos negócios da Pérsia, que Teixeira Gomes comenta
da seguinte forma: “Esta notícia espalhada pela Central News terá grande
retumbância em Inglaterra, onde parte da opinião se vai declarando favorável a
um acordo com a Alemanha, à custa das colónias portuguesas”.
Aspeto de instalações de secagem do cacau, em S. Tomé, na época em que Teixeira Gomes se opunha à campanha dos "chocolateiros" britânicos na imprensa de Londres. |
E, contudo, havia uma face dramática da
questão colonial para um país como Portugal, impossibilitado de, por si só, se
opor aos interesses das grandes potências. A resposta de Teixeira Gomes a uma
questão do seu ministro dos Negócios Estrangeiros é extremamente elucidativa: “Tomo
a liberdade de observar a V. Ex.a que não seria possível quando mesmo esta
Legação dispusesse de capitais importantíssimos e pudesse influir directamente
nos personagens políticos, quase todos membros da Câmara dos Pares, que dispõem
dos jornais ingleses, não seria possível empreender uma campanha jornalística eficaz
para preparar a opinião pública no que diz respeito à possibilidade de a
Inglaterra obter ou não vantagens da Alemanha a troco da cedência das colónias
portuguesas, sem previamente interessar nessa campanha um ou dois grandes
partidos que disputam o poder. Ora isto é absolutamente inexequível pela razão
óbvia de que nenhum desses partidos quereria tomar compromissos num assunto de cuja
resolução pode depender a paz universal.
As perspectivas portuguesas iriam agravar-se
quando Teixeira Gomes, em finais de 1912, se apercebe, através de alguns
artigos publicados no jornal Spectator, que há intenção de ligar a propaganda
antiesclavagista com o acordo anglo-alemão, por forma que ambas as questões «se
reforcem mutuamente, a fim de acelerar a nossa ruína colonial». E Teixeira
Gomes acrescenta: “Informações de origem diversa, mas segura, confirmam-me a
realidade desses intuitos, não me restando actualmente dúvida de que se fazem
preparativos para uma campanha formidável destinada a convencer o povo inglês de
que nas colónias portuguesas existe a escravatura, incitando-o ao mesmo tempo a
que se manifeste contra a aliança anglo-portuguesa, a pretexto de
que para a Inglaterra constitui uma vergonha
manter uma aliança com países onde se exerce aquele abominável comércio.
A estratégia das grandes potências
apresentava-se clara ao representante português. A hipótese de resolver o
conflito latente à custa de Portugal tomava vulto e a conjuntura parecia
confirmar uma credibilidade cada vez maior da via mais desfavorável a Portugal.
Realmente, na opinião de Teixeira Gomes, «os horrores da guerra dos Balcãs
[...] sugerem na opinião inglesa a necessidade de os evitar no que respeita a
uma possível guerra com a Alemanha, e a ideia de que a partilha das colónias
portuguesas aprasará ou evitará o conflito pode tomar vulto no público inglês,
acarretando-nos toda a classe de dificuldades e dissabores». Não seria
necessário muito tempo para que o plano geral parecesse ainda mais claro, já
que tudo induzia Teixeira Gomes a pensar que a campanha antiesclavagista era
auxiliada pela Alemanha. Efectivamente, «as informações particulares por mim
colhidas em diversas fontes, tudo corrobora a minha desconfiança de que a
Alemanha auxilia, se é que não dirige e subsidia essa campanha». E acrescenta,
procurando enquadrar esta questão no quadro mais amplo da atitude alemã: A
Alemanha é hoje a nação que maiores somas despende não só na espionagem militar,
como nos trabalhos de sapa que facilitam a sua acção diplomática, não sendo
portanto de estranhar que [...] não hesite em gastar quanto seja necessário
para conseguir que nos vibrem um golpe decisivo, como seria a denúncia do nosso
tratado de aliança com a Inglaterra. Este é indubitavelmente o seu objectivo.
Perante o iminente agravamento da situação,
Teixeira Gomes apresenta, no alvorecer do ano de 1913, um plano de oposição às
manobras alemãs, que, só por si, denuncia as bases de um projecto político e
económico, jamais conseguido, da burguesia portuguesa.
Dele constam as seguintes medidas concretas:
1.º Organização da nossa administração
colonial, devendo os funcionários a cujo cargo ela incumbe ter a necessária
competência intelectual e moral;
2.º Assegurar as garantias devidas, conforme
os tratados, aos negociantes estrangeiros que negoceiam nas nossas colónias;
3.º Extinção de quaisquer actos que possam
induzir à suspeita de que nas nossas colónias se exerce o tráfico de
escravatura;
4.º Activa defesa em Inglaterra contra a
campanha e acusações dos «chocolateiros»;
5.º Conclusão do Tratado de Comércio
Anglo-português;
6.º Organização de um plano económico e
financeiro, tanto para a metrópole como para as colónias, que, aceite por todos
os partidos, não corra o risco de gorar pelo facto de haver mudanças ministeriais;
7.º Organização e desenvolvimento do
Exército Português, cujo plano possa realizar-se progressivamente, também ao
longo das crises ministeriais.
Subsidiariamente, a constituição da Câmara
de Comércio Anglo-Portuguesa, de modo a ter condições de vida, e a
reorganização da Legação de Portugal em Londres, pondo-a em termos de poder
atender com proveito às múltiplas questões que ela deve tratar.
A dependência de Portugal não poderia evidentemente
solucionar-se através do projecto republicano. A situação, herdada da longa
mediocridade política da dinastia de Bragança, prolongou-se para o pós-5 de
Outubro e a República não conseguiu desembaraçar-se do essencial dessa
dependência.
Os vaivéns de Teixeira Gomes entre a Legação
de Portugal e o Foreign Office, excelentemente retratados na correspondência
oficial do nosso representante, têm também o mérito de nos transmitir um quadro
bem expressivo do tipo de relações que foi necessário manter (ou mesmo
incrementar) com o Governo Inglês.
Reportando-nos apenas ao período em análise
— Abril de 1911 a Julho de 1914 —, e sem qualquer pretensão de sermos
exaustivos, pudemos retirar da correspondência oficial de Teixeira Gomes um
significativo número de atitudes políticas do Governo Português demonstrativas
da clara dependência que mantivemos relativamente à Inglaterra, à sombra de uma
aliança centenária que bem raramente funcionou a favor de Portugal.
É assim possível surpreender cerca de duas
dezenas de pedidos de interferência junto de outros governos feitos por
Portugal ao Governo Inglês. Mais de metade respeita a interferências junto do
Governo Espanhol, quase sempre a propósito dos problemas levantados pela
presença de conspiradores monárquicos na fronteira da Galiza (embora mereçam
destaque outros casos, como, por exemplo, a questão das ilhas Selvagens). Mas
encontram-se neste rol igualmente pedidos de interferência junto dos Governos
Alemão (fronteira de Angola), Holandês (problemas em Timor) e Chinês (problemas
em Macau).
Foi possível também isolar vinte e três
casos de pedidos de apoio, que se estendem desde o político ao diplomático e ao
militar. Apoio diplomático em Madrid, no Japão, na Itália e na China; apoio
político no problema da divisão das colónias portuguesas (assunto em que,
paradoxalmente, a Inglaterra era parte interessada) e na visita, nunca
conseguida, de navios de guerra ingleses a Lisboa. Apoio militar na formação de
técnicos navais, no estudo por militares portugueses de certos esquemas da
defesa de costa em Inglaterra, no conhecimento da forma de contabilidade dos
arsenais ingleses e mesmo no fornecimento de um modelo de «mochila cirúrgica»,
que aliás custou perto de onze libras. Estas informações militares, quando eram
fornecidas pelo Governo Inglês, traziam sempre um aviso de confidencialidade e
uma inocente advertência de abertura de excepção relativamente ao pedido do
Governo Português.
Mas é ainda mais extenso o número de pedidos
de informações sobre procedimentos do Governo ou da Administração inglesa ou
mesmo da própria sociedade - uso de hábitos talares em Inglaterra, organização
da Cruz Vermelha e da Polícia de Londres, condições financeiras e técnicas da
instalação do sistema radiotelegráfico, lista das mercadorias com isenção,
funcionamento das minas de carvão e do cerimonial de Estado.
Bilhete postal da época da Grande Guerra, salientando a aliança entre Portugal e a Inglaterra. |
Detenhamo-nos contudo num caso exemplar — o
do reconhecimento da República — e concluamos que a paciência política pode
atingir certos limites, especialmente quando as condicionantes se apresentam
exageradamente influentes.
Tratava-se pois de conseguir o
reconhecimento da República pelas potências europeias, e em especial pela
Inglaterra, monarquia que todas as outras reconheciam com primazia nos assuntos
portugueses. Contudo, as «altas esferas de influência», como as costumava
apelidar Teixeira Gomes, nunca se haviam mostrado osso fácil de roer pela novel
diplomacia portuguesa. Enquanto a República patenteia, debaixo dum nervosismo
crescente, a necessidade, a urgência, o dever do reconhecimento, a Inglaterra,
vagarosa, exasperante e calculista, promete e adia, condiciona e joga.
Arrastam-se as negociações, justifica a
Inglaterra a sua demora, põe condições e marca prazos diversos, numa espécie de
jogo de polícias e ladrões, em que sempre ganham os polícias.
Em 10 de Maio de 1911, Langley,
subsecretário de Estado do Foreign Office, promete o reconhecimento
imediatamente após as eleições, para logo em 26 adiantar que tal será
impossível antes da eleição do chefe de Estado, já que só este pode aceitar
credenciais. Mas em 31 torna-se necessário que a Constituinte reconheça o
actual governo! A paciência diplomática de T. Gomes continua intocável; a
paciência política de Bernardino Machado é que está por um fio.
Mas o Foreign Office reserva mais surpresas.
Em 24 de Junho alude «ocasionalmente» à questão da indemnização dos bens das
igrejas inglesas e à necessidade de proceder ao reconhecimento da República por
acordo com outras potências europeias. Finalmente, sem máscara, põe novos dados
na mesa: a questão das igrejas é condicionante do reconhecimento.
Por isso, a 17 de Julho, Bernardino Machado
define a posição portuguesa: «[...] reconhecimento quando quiserem.» Posição a
que as prementes necessidades da política bem depressa vão retirar significado.
Em 15 de Agosto, o Governo Inglês apresenta
o último «pedido» para modificação do regulamento da questão das igrejas,
exactamente para ser alterada a segunda parte do artigo 3.º, referente ao
registo das igrejas. Assente a modificação e aceite o texto do regulamento, o
reconhecimento tomou-se iminente.
Veio a ocorrer em 11 de Setembro. Foi,
apesar de tudo, uma difícil vitória da diplomacia portuguesa.
Finalizamos com um episódio que caracteriza,
de forma exemplar, a natureza das relações estabelecidas entre Portugal e a
Inglaterra. Os actos políticos demonstrativos do apoio inglês às instituições
portuguesas, tradutores da efectiva vigência da velha Aliança Luso-Britânica,
revestiam-se permanentemente de grande significado para o Governo Português,
que, através deles, podia demonstrar a sua estabilidade e o seu crédito.
A visita de um vaso de guerra inglês ao
porto de Lisboa foi meta diplomática de muitas horas de conversação entre
Teixeira Gomes e vários funcionários do Foreign Office, incluindo o próprio
ministro, Sir Edward Grey. Após a segunda incursão no Norte de Portugal, em
Julho de 1912, a Espanha faz deslocar a Cascais, em atitude classificada de
provocação evidente, uma pequena esquadra — «três fracos contratorpedeiros»,
como os classifica com disfarçado temor Augusto de Vasconcelos, ministro dos
Negócios Estrangeiros. Por isso o Governo Português pede encarecidamente à
Inglaterra que mande alguns vasos de guerra a Lisboa, em ofício de 15 de Julho,
e a Inglaterra, quatro dias depois, nos aconselha a que não consideremos
provocação a presença dos contratorpedeiros em Cascais, pois tal é a posição do
Governo Inglês. Aceitámos, e só em 9 de Setembro, quando os fracos
contratorpedeiros haviam jádeixado em sossego o mar de Cascais, renovamos o
insistente pedido; mas apenas em 30 de Setembro do ano seguinte se atreve
Teixeira Gomes a dizer que as conversações para a visita de navios de guerra
ingleses a Lisboa estão bem encaminhadas. A 16 de Outubro de 1913, Teixeira
Gomes pode informar que o cruzador Active visitará Lisboa, relatando em
pormenor os meandros das «altas esferas influentes» que acederam finalmente a
este acto de tão grande significado.
Porém, dez dias depois, as mesmas esferas,
sempre atentas aos pretextos, sempre inclinadas a jogar o seu peso,
aparentemente contrário à manifesta boa-vontade do Governo Inglês, faziam
recuar ao ponto zero todo o esgotante processo de conversações — a visita do
Active foi cancelada.
Por essa altura, Sir A. Hardinge, ministro
inglês em Lisboa, fora já transferido para Madrid95. Um seu relatório, redigido
em termos vigorosos contra a visita do Active, constituiu a base da mudança de
atitude do Governo Inglês, que, note-se, interrompeu a viagem do navio quando
este seguia já a caminho de Lisboa.
Segue-se a este incidente uma intensa troca
de notas entre Teixeira Gomes e Afonso Costa, interinamente acumulando os
Negócios Estrangeiros com a presidência do Ministério. A opinião de Teixeira
Gomes é que só Sir Hardinge pode desfazer a má impressão que os seus relatórios
causaram através de uma rectificação que devia ser negociada em Lisboa, já que
o novo ministro inglês não se atreveria a desdizer, de ânimo leve e em curto
prazo, as opiniões do seu antecessor. Afonso Costa aceitou a sugestão e tentou
conseguir uma forma satisfatória para ambas as partes. Mas tão resistente se
mostrou o ministro inglês, de tal modo tentou deixar tudo na mesma através de
dúbias promessas que bem demonstraram a sua má-fé, que Afonso Costa, num
desabafo que a política da paciência não deveria permitir, mas que a paciência
da política nem sempre consegue suster, telegrafa a Teixeira Gomes: «Com este
ministro da Inglaterra nada mais tratarei.»
Mas de tal modo o incidente ficou latejando
entre os dois países, que o primeiro navio de guerra inglês só viria a Lisboa
já após o início da primeira guerra mundial.
Interessante. Confirma o que de á muito tento compreender: a inconcebível continuidade da Aliança que do meu ponto de vista se prende com o facto de termos mantido as colónias depois de termos perdido o controle das linhas de comunicação, o controle dos mares após a derrota da invencível armada. É ainda hoje um tratado de famílias reais que nunca serviu os interesses de Portugal.
ResponderEliminarMeu caro,
EliminarEm 1913, o Reino Unido e a Alemanha negociaram mesmo a divisão das colónias portuguesas, mas o acordo perdeu oportunidade porque nada parecia satisfazer a Alemanha e a guerra apresentava-se como inevitável. Abraço.